Uma mensagem
pode ter vários significados, conforme o plano em que a informação
é interpretada. Em primeiro lugar, temos o plano do conteúdo
e o plano da relação.
O plano do conteúdo diz respeito apenas ao significado dos sinais
comunicados. O plano da relação exprime o significado para
a relação com o interlocutor da mensagem transmitida.
«Tenho uma pontada aqui» e aponta para o lado direito do tórax.
O médico ausculta e diz que não é do pulmão,
a dor deve vir da coluna. «Uma tia minha teve uma pleurisia».
«Não é o seu caso» insiste o médico.
A doente desconfiada pergunta: «Não é melhor fazer
uma radiografia?.»
Há também os planos da linguagem verbal, não-verbal
e para verbal ou vocal. Normalmente as informações são
transmitidas paralelamente em vários níveis e a qualidade
da comunicação sofre com as limitações à
sua expressão.
1
Erros
na técnica do diálogo que dificultam a comunicação
Perguntas pouco abertas ou directas que não permitem ao doente
dar a informação das suas percepções da doença.
Perguntar «porquê?» pode levar o doente a pensar que
fez qualquer coisa errada.
Perguntas sugestivas - «Não se cansa quando sobe as escadas?»
- a resposta está dentro da pergunta, o doente aceita os sintomas
oferecidos pelo médico de modo que, por fim, já não
é possível distinguir se ele realmente sente as queixas
que refere. Em doentes muito sugestionáveis, devem-se fazer perguntas
de controlo afim de separar as queixas sentidas das sugeridas.
Perguntas de «sim» ou «não».
Mudanças de tópico não sinalizadas, por exemplo,
por uma pausa: o doente fica com a impressão que o entrevistador
não tem um plano claro de acção.
Escrupulosidade excessiva e selectiva, com perda da visão de conjunto,
como seja insistir num dos muitos sintomas referidos, talvez o menos importante.
Controlo exagerado sobre a narrativa do doente, interrompendo-o frequentemente
para delimitar as suas respostas com perguntas muito especificas.
Consolação inadequada ainda que bem intencionada como «você
vai ficar bom», «não deve levar isso tanto a sério»
ou «não precisa de ter medo, isso não é nada
de especial, muita gente sofre disso». Ou então observações
irónicas ou cínicas de desvalorização: «eu
também tenho isso» ou «é tudo imaginação
sua» ou «são os seus nervos». As queixas do doente
e a forma como as percebe devem ser levadas a sério. Dizer a certos
doentes que «não têm nada», é o mesmo
que insinuar que estão a simular uma doença, adicionando
sentimentos de culpa e vergonha aos que já traziam para a consulta.
2
Descodificação
deficiente da sinalética da postura, do movimento e da palavra
Distância corporal - É ao mesmo tempo espelho e mecanismo
de regulação da relação médico-doente.
Numa relação de confiança mútua é mais
fácil aproximar-se de um paciente ou tocar nele. Uma aproximação
significa um sinal para intensificar a relação. O médico
deve averiguar se o doente aceita a aproximação ou se ela
está de acordo com a situação.
Postura
- Certas posições do corpo, como o cruzamento das pernas
ou dos braços, podem significar resistência ou defesa. Se
não se identificar a sua causa, o médico perderá
informações importantes e é improvável que
o doente siga os seus conselhos.
Mímica
- Muitos doentes avaliam a atenção que o médico lhes
dá pela sua expressão facial. Daí que o médico
deva ter muito cuidado com a sua mímica, que deve ser adaptada
às necessidades do paciente. Deve-se mostrar pena quando ele falar
sobre os seus problemas, ou alegria quando falar sobre progressos. Pode-se
descobrir na mímica do paciente o seu desespero e insegurança.
Contacto
visual - Através do contacto visual o médico pode informar
o doente que está a seguir atentamente as suas explanações.
No entanto, em certas situações o doente pode não
suportar o contacto visual, devido à excessiva proximidade que
ele permite. O médico deve estar atento às tentativas de
contacto visual do paciente e deve também respeitar os momentos
em que ele não o deseja.
O comportamento para verbal ou vocal expressa-se através do volume
e modulação da voz ou entoação, bem como rapidez
da fala (rápida, lenta, hesitante), suspiros, vocalizações,
inflexões e ritmo da frase. Urgência, sinceridade, confiança,
hesitação, solicitude, jovialidade, tristeza e apreensão
podem estar contidas na entoação. Tão importante
como o que diz o doente, é o modo como ele o diz.
A interpretação dos silêncios e pausas também
tem muito valor. No doente, a mudança de tema é sempre reconhecida
por uma pausa, que deve ser respeitada pelo médico, a menos que
seja exageradamente prolongada. Há silêncios que traduzem
embaraço ou vergonha. Há também o silêncio
do desinteresse agressivo e ostensivo e o que resulta de obstáculos
à intervenção.
Não saber ouvir é um problema sério na comunicação.
Ouvir atentamente requer uma concentração intensa na expressão
do doente em todas as suas manifestações e «nuances»
verbais, não verbais e vocais, procurando ler o significado de
qualquer palavra, gesto ou movimento.
3
Papeis de médico e papeis de doente
Constelações específicas de características
da personalidade tanto do médico como do doente permitem a categorização
de papéis.
O papel do médico pode ser o de paternal crítico, rigoroso
ou de protector que ajuda e apoia. Há também o papel de
médico esclarecedor, compreensivo, que dá coragem.
O papel de doente pode ser o de dependente ansioso que tem medo e necessita
de apoio e consolação. Ou o de interrogador, que deseja
ser informado, cioso dos seus direitos ou o cumpridor, equilibrado emocionalmente.
O sucesso ou insucesso de uma comunicação dependem de quais
os papeis de ambos os interlocutores que se encontram numa dada situação.
Uma troca de mensagens eficazes é possível entre o papel
de doente ansioso, desprotegido e o de médico protector e compreensivo.
Os conflitos surgirão se não se atender ao papel do emissor,
por ex., o médico reage através de um papel paternal crítico
quando o que o doente necessitava era que ele reagisse através
do papel de protector, a dar coragem e serenidade.
O cruzamento das mensagens entre o emissor e o receptor impede a comunicação.
Ao doente com uma atitude exploratória, a pedir explicações
e conselhos, o médico deve reagir com compreensão, esclarecendo,
isto é, paralelamente. Se a reacção for através
do paternal crítico, haverá activação dos
mecanismos de defesa do receptor que se sentirá desqualificado
como interlocutor. Houve aqui um cruzamento de mensagens. A sua frustração
- principalmente se as sucessivas tentativas de apelo ao papel de esclarecedor
do médico continuarem a ser por este ignoradas - será expressa
através de um comportamento agressivo ou passivo/agressivo. Em
qualquer altura do devir relacional vão surgir retaliações
encapotadas, será manifesta a resistência à comunicação.
4
Atitudes do médico que dificultam a comunicação
Quando o médico dá a perceber ao doente que tem pouco tempo,
este escolhe as queixas que julga mais importantes sendo preferidos os
sintomas que lhe provocam medo. Omitirá também alterações
corporais que só poderia transmitir ao médico durante uma
entrevista mais longa.
A falta de tempo pode ser devida a muitos doentes para atender ou a tarefas
múltiplas do médico durante o tempo de consulta. As interrupções
frequentes pelo telefone ou pelos colaboradores podem irritar ou confundir
o doente.
Se o modo de estar perante o doente não for basicamente empático,
ele sente que o seu sistema de valores não é tomado em consideração.
O médico não vê e sente o mundo do doente como se
fosse o seu próprio mundo.
Para o fim da consulta diminui a atenção e concentração
do médico.
Utilização de termos técnicos ou eruditos desajustados
ao nível de instrução do doente.
Preconceitos ou parcialidade com formação de um juízo
apenas na base das primeiras impressões, fixação
a ideias adquiridas anteriormente e aceitação de criticas
de terceiros (familiares, profissionais de saúde).
O decurso do diálogo é determinado pelo doente: o médico
segue passivamente a narrativa do doente. Este dá um peso subjectivo
aos sintomas cujo significado, para ele, depende dos seus conhecimentos
médicos e das suas crenças. O médico não faz
nada para esclarecer as suas hipóteses sobre a origem das queixas,
através de elementos adicionais.
O médico não se certifica do verdadeiro sentido das expressões
do doente: ele não descodifica a sinalética que o doente
usa para exprimir o seu sofrimento. Os sintomas são, assim, interpretados
em sentido literal e a sua exploração, sem compreender qual
possa ser o seu significado na vida do doente, sem descobrir o factor
emocional que ele encobre, leva inevitavelmente a erros de diagnóstico
e a atitudes terapêuticas inadequadas.
Atitudes de desresponsabilização e evasão: o doente
pode despertar no médico sentimentos negativos e é provável
que este os manifeste inconscientemente no seu comportamento: pode ser
rude, agressivo ou despeitado. Outra forma de exprimir inconscientemente
os seus sentimentos é a evasão. Em vez de reconhecer os
seus sentimentos negativos, o médico responde ao doente evadindo-se
deste. O doente apercebe-se rapidamente que o médico está
a esquivar-se quando este se retira do papel de interlocutor activo para
o de alguém que apenas ouve ou regista ou quando ignora as iniciativas
de diálogo do doente.
Exploração excessiva: o ganho informativo do diálogo
sofre quando o médico toca em temas que são evitados pelo
doente. Uma preocupação exagerada de aprofundar o diálogo
leva a que sejam ultrapassadas resistências sem o consentimento
do doente, a que não seja respeitada a sua opção
de ficar calado. Antes de abordar temas de carácter íntimo,
como conflitos sexuais ou familiares, é necessário que o
médico de família esteja seguro que o doente aceita com
naturalidade discutir estes assuntos. Um tema desagradável pode
ser sempre adiado para outra consulta, em ocasião mais favorável.
Uma possibilidade é tratar o tema/problema com a ajuda de um modelo,
por exemplo: em vez de falar nos erros de educação dos pais
presentes, referir-se-ão os erros de um modelo construído
de pais.
5
Outras barreiras à comunicação
Ninguém pode ignorar o progresso científico e tecnológico
da medicina. Os utentes querem a prova de que não estão
doentes através de «exames e análises», as palavras
deixaram de ser instrumentos de tranquilização e segurança.
A espiral de custos devido à utilização cada vez
maior da tecnologia nos actos diagnósticos e terapêuticos
leva a um controlo apertado dos gastos em saúde e tanto o médico
como o doente sentem tal pressão económica.
A estrutura e as regras de funcionamento dos centros de saúde criam
um contexto muito complexo de interacções pessoais. É
frequente verificar a nível urbano e suburbano a existência
de entraves burocráticos e administrativos que dificultam a acessibilidade.
Surgem, assim, as longas esperas para a marcação de consultas
e também na sala de espera. Quando finalmente surge o desejado
contacto com o médico, que o utente nem sempre teve a liberdade
de escolher, é muito provável que a comunicação
se ressinta.
Pelo lado do médico de família, por muito que ele deseje
investir numa abertura relacional, tal não é, muitas vezes,
possível, devido à dificuldade em gerir o tempo de consulta
de que dispõe.
6
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