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Parte IV – Problemas clínicos
4.7. Abordagem do paciente com problemas endócrinos,  metabólicos e da nutrição
274. Galactorreia
Jorge Lorga Ramos
Graça Vieira
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Gallego, Rosa

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Introdução
Considera-se galactorreia a secreção de leite fora do puerpério. 
Esta situação deve ser encarada mais como um sinal do que como uma doença em si mesma. Assim a sua abordagem deve ter em vista o esclarecimento da patologia subjacente. No entanto, nem sempre corresponde a uma doença, podendo estar em causa uma reacção fisiológica a uma estimulação passível de ser identificada e controlada.
O MF tem ao seu alcance meios que lhe permitem estabelecer a causa do problema. Pode também resolver ou controlar algumas dessas situações.
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O problema na prática clínica
Na prática, o mais frequente é o MF ser procurado por uma mulher que se queixa de corrimento de uma ou das duas mamas. O primeiro ponto a esclarecer é a natureza do corrimento. Por definição galactorreia é a secreção de leite. A abordagem do corrimento hemático ou de outro tipo obedece a regras próprias que não são referidas neste capítulo. Muito frequentemente a mulher tem também amenorreia. Esta resulta das mesmas alterações endócrinas responsáveis pela galactorreia.
Cerca de ¼ das mulheres que já estiveram grávidas anteriormente têm galactorreia.
Mesmo após estudo adequado, metade dos casos não têm causa conhecida.
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Avaliação diagnóstica
As causas de galactorreia estão enumeradas no Quadro I:

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Quadro I

Causas de Galactorreia

Medicamentos  Antidepressivos tricíclicos
  Reserpina
  Metildopa
  Opiáceos
  Anestesia geral
  Fenotiazinas
  Butirofenonas
  Metoclopramida
  Cimetidina
  Verapamil
Estimulação mecânica
Tumor cerebral Hipófise
  Extra hipófise
Hipotiroidismo
Lesão torácica
Tumor produtor de prolactina Pulmão
  Rim
Insuficiência renal   
Disfunção hipotalâmica
Idiopática

Os medicamentos causam galactorreia ao alterarem a acção da dopamina a nível neuronal, quer por bloqueio dos seus receptores quer diminuindo a sua libertação. A dopamina tem efeito inibidor sobre a secreção de prolactina. Podem também actuar aumentando directamente a libertação de prolactina. 
Os contraceptivos orais de baixa dosagem não causam galactorreia.
A estimulação mecânica da mama e do mamilo pode provocar o aumento da produção de prolactina por via reflexa.
Os tumores cerebrais extra hipofisários podem originar galactorreia quando alteram as vias neuronais que conduzem à libertação de dopamina na hipófise. Destes o mais frequente é o crâniofaringioma.
Os adenomas hipofisários são habitualmente classificados em: acidófilos, basófilos e cromatofobos. Os dois primeiros tipos segregam outras hormonas hipofisárias podendo também segregar prolactina. O terceiro tipo, também denominado prolactinoma, segrega prolactina.

O deficit de hormonas tiroideias do hipotiroidismo provoca o aumento da libertação de «TSH releasing hormone». Este aumenta a secreção de TSH e também de prolactina.
O primeiro passo para o diagnóstico é a história clínica. Esta deve incluir a medicação actual ou recente. O exame objectivo deve verificar a existência de sinais de hipotiroidismo, insuficiência renal, lesão torácica.
Os primeiros exames complementares a pedir devem incluir: prolactina sérica, creatinina sérica, TSH, T4 e RX do tórax.
Se a prolactina sérica estiver elevada e os restantes exames normais deve ser pedido exame imagiológico da hipófise e região hipotalâmica. Hoje os mais usados são a T.A.C. ou a R.M.N.
Outro exame possível é a radiografia convencional da sela turca. Este é o mais barato, condiciona uma exposição menor às radiações que a T.A.C., mas permite apenas ver o contorno ósseo ou lesões calcificadas.
Se, perante valores elevados de prolactina sérica, os exames imagiológicos forem normais tem de se colocar a hipótese de haver um microadenoma de dimensão inferior ao poder de resolução da técnica usada. Nestes casos é prudente fazer o doseamento da prolactina sérica de 6 em 6 meses. Se houver aumento nos níveis de prolactina dever-se-á então repetir o exame imagiológico.
Estes casos de prolactina sérica elevada de modo isolado podem corresponder a uma situação de disfunção hipotalâmica. Nestes casos há uma resposta desajustada aos níveis de dopamina e de prolactina do eixo hipotálamo-hipofisário.
Há um certo número de casos de galactorreia em que todos os exames complementares, incluindo a prolactina sérica, estão normais. São os casos denominados de galactorreia idiopática.
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Possibilidades de intervenção em MGF
Quando a causa é uma doença como a insuficiência renal, o hipotiroidismo ou lesão torácica, o tratamento deve ser dirigido a essa patologia. 
Nas situações secundárias a medicamentos, estes devem, se possível, ser retirados ou substituídos.
A estimulação mecânica repetida e prolongada deve ser identificada e suspensa.
As situações de tumores hipofisários ou da região hipotalâmica devem ser orientados para cuidados diferenciados. Estes dispõem de várias possibilidades terapêuticas. 
Os microadenomas devem ser tratados com bromocriptina. Nestes, casos depois de controlados, deve fazer-se exame imagiológico: T.A.C. ou R.M.N. cada 2 anos e doseamento anual da prolactina. Se a bromocriptina não for tolerada ou não for aceite pode recorrer-se à cirurgia.
Nos macroadenomas usa-se também a bromocriptina. Esta faz baixar os níveis de prolatina, melhorando ou fazendo desaparecer os sintomas. Obtém-se frequentemente redução da dimensão do tumor com esta terapêutica. A cirurgia está indicada nos casos em que não se consiga controlo completo dos sintomas. Nestes a cirurgia tem uma taxa de cura de 30% e a recorrência surge em 80%.
A disfunção hipotalâmica deve ser também tratada com bromocriptina. Nestes casos deve fazer-se doseamento da prolactina de 6 em 6 meses para excluir a existência de um microadenoma ainda não diagnosticado.
Os casos de microadenomas e de disfunção hipotalâmica devem interromper temporariamente a terapêutica com bromocriptina, de 2 em 2 anos, para dosear a prolactina sérica, porque é possível dar-se a remissão.
Quando os valores da prolactina e os restantes exames complementares são normais, o tratamento da galactorreia é também com bromocriptina, em especial quando há desconforto ou ansiedade. 
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Bibliografia
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Wilson, Jean D. Endocrine disorders of the breast. In Harrison’s Principles of Internal Medicine 13 th ed 1994 editor Isselbacher KJ et al McGraw Hill cap 341 pag 2036-9.