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Parte IV – Problemas clínicos
4.7. Abordagem do paciente com problemas endócrinos,  metabólicos e da nutrição
282. Uso da Insulina
Rosa Gallego
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Gallego, Rosa

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Introdução
Existe crescente evidência de que a optimização do controlo metabólico pode reduzir a incidência de retinopatia, nefropatia e neuropatia quer na diabetes tipo 1 quer na diabetes tipo2. Afim de obter e manter um bom controlo glicémico na diabetes tipo 2 cerca de 5-10% dos diabéticos devem iniciar terapêutica insulínica. Esta alteração terapêutica, em geral bem aceite nos casos sintomáticos, é em regra adiada nos diabéticos com queixas menos pronunciadas. Esta atitude dos clínicos, pode ser explicada, em parte, pela ansiedade em reduzir a “qualidade de vida” dos diabéticos com o inicio do uso de terapêutica injectável, percepção que é contrariada em vários estudos, onde a melhoria do controlo glicémico influenciou positivamente a qualidade de vida através da diminuição dos sintomas. A importância da influência da educação terapêutica, da empatia dos educadores e a experiência de que a terapêutica com insulina é mais fácil do que o esperado, quer pelos diabéticos, quer pelos profissionais, é confirmada nos mesmos estudos.
A Insulina é uma molécula proteica segregada normalmente pelas células ß do pâncreas. Necessita ser administrada exogenamente nos diabéticos, dela necessitados para o seu equilíbrio metabólico, por ser destruída pela acção do pH gástrico. 
Actualmente é utilizada a insulina designada como humanizada (com aminoácidos e sua sequência, semelhante à humana). As modificações galénicas da insulina alteram-lhe a farmacocinética, permitindo conseguir-se esquema posológicos que se assemelhem à insulinemia resultante da produção endógena normal.
Apenas existe uma formulação na forma de solução cristalina susceptível de ser administrada por via endovenosa (IV) e nas bombas de perfusão de insulina, para além das vias intramuscular (IM) e subcutânea (SC). As suspensões de insulina só podem pois ser administradas por via SC.
A insulina lispro é um análogo da insulina humanizada, da qual difere pela inversão da sequência dos aminoácidos 28 (prolina) e 29 (lisina) da cadeia ß. Este facto permite que a molécula se dissocie directamente de hexâmeros a monómeros com fraca capacidade de reassociação (contrariamente à insulina), pelo que apresenta um mais rápido início e menor duração de acção, menor risco de hipoglicemia e melhor perfil glicémico postprandial. 
As principais diferenças cinéticas entre as insulinas são:
- velocidade de início de acção;
- tempo para atingir o pico de acção;
- duração de acção.
De acordo com estas diferenças as insulinas caracterizam-se em:
- Acção rápida.
- Acção intermédia.
- Acção prolongada.
- Acção mista (associação de insulinas de acção rápida e intermédia).
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Acções farmacológicas
A insulina e o potássio ao ligarem-se à glicose permitem a sua entrada para a célula e a sua disponibilidade para ser catabolizada com produção de energia sob a forma de ATP. Outro dos efeitos da insulina é a possibilidade conferida à glicose para ser armazenada no fígado e no músculo sob a forma de glicogénio, que será posteriormente utilizado em períodos de maior consumo energético e de baixo valor da glicemia.
A insulina é também fundamental para a formação dos lípidos e das proteínas a partir da energia resultante do catabolismo glucídico. Esta acção sobre os tecidos dela dependentes permite a manutenção de valores de glicemia estáveis nos tecidos não dependentes da insulina de que a célula cerebral é paradigma.
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Farmacocinética
O início e a duração da acção da insulina são função do tipo de insulina, da preparação, da via de administração e de variáveis individuais, como a presença de anticorpos anti-insulina.
Absorção
Após administração subcutânea (SC), a insulina é absorvida, sob a forma de monómeros, para a circulação sanguínea através da via linfática. Sabe-se que podem existir variações na velocidade de absorção de 25% a 50% intra e inter individual, na velocidade com que se desdobra e sai do local da injecção SC, que é altamente irregular e dependente do tipo de insulina e de outros factores. 
Metabolismo
É primordialmente hepático e em menor percentagem, pode sofrer metabolismo renal, muscular e no tecido adiposo (30%).
Eliminação
A remoção esplâncnica e renal é independente da glicemia e é tanto maior quanto mais elevada for a insulinemia. A insulina, após filtração glomerular renal, é reabsorvida ou destruída parcialmente nos tubos proximais, numa percentagem de 98%. Cerca de 40% do teor de insulina é reabsorvido e volta à circulação. Os restantes 60% são metabolizados (Quadro I).4


Quadro I
Factores condicionantes do início e da duração de acção da insulina
Via de administração É mais rápido para IV > IM > SC.A cinética da via intranasal é semelhante à da IV (início de acção mais rápido e duração de acção inferior).
Função renal A IR reduz a depuração e pode prolongar e intensificar a acção da insulina exógena.
Função da tiróide O hipertiroidismo aumenta a depuração reduzindo a duração da acção da insulina, dificultando o controlo. A estabilização do doente depende do seu estado tiroideu.
Anticorpos
Anti-insulina
Ligam-se à insulina à medida que é absorvida e libertam-na lentamente, atrasando o início da acção e/ou prolongando o seu efeito.
Enzimas subcutâneas Doentes que possuam enzimas subcutâneas (raro) de degradação da insulina são resistentes à terapêutica SC, respondendo à IV.

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Factores condicionantes da farmacocinética
As interferências resultam de alterações na absorção, metabolismo e eliminação. Quanto maior a dose mais rápida a sua absorção para além do tipo (a insulina regular é a mais "rápida") (Quadros II e III)
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Quadro II
Factores que afectam a absorção SC da insulina
Aumentam a absorção Diminuem a absorção
exercício físico (sobretudo na 1ª hora) frio
massagem calor hipoglicemia
cetoacidose tabagismo (vasoconstrição?)

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Quadro III
Características que interferem com a absorção
Características da insulina que aumentam a absorção - grau de solubilidade da insulina
- quanto mais elevada é a dose administrada maior é a intensidade e eventualmente a duração do efeito.
Local da Injecção - a absorção é mais rápida a partir da injecção na região abdominal, seguindo-se a região deltóide, a nádega e a coxa por último

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Características diferenciais entre as formulações
As insulinas de acção rápida são soluções e destinam-se a iniciar o seu efeito imediatamente após a injecção. São injectadas antes de uma refeição e actuam como um bólus, durante a digestão.
A insulina de acção intermédia permite, com 2-3 injecções diárias, um equilíbrio metabólico para diabéticos do tipo 1, com uma vida regular ou para diabéticos tipo 2. A sua actividade manifesta-se por mais de 12 horas.
A insulina de acção prolongada (suspensão) mimetiza a produção basal de insulina normal. Injecta-se uma vez por dia, porque o seu efeito é de longa duração. 
A concentração de todas as insulinas existentes no mercado Português é de 100 Ul/ml.
Aspectos da insulina
- Solução - Insulina de acção rápida
- Suspensão - Insulinas de acção lenta e intermédia 
As suspensões requerem uma agitação cuidadosa antes de se retirar a quantidade a injectar. Esta agitação não deve permitir a formação de espuma, que dificulta a medição de um volume rigoroso e pode destruir a integridade da molécula, alterando a sua eficácia (Quadro IV).
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Quadro IV
Insulinas disponíveis
Designação Apresentação Aspecto Início de acção Pico de acção Duração de acção Preço por UI ($) (1999)
Regular*
Actrapid® Humulin  Frasco/ recarga* solução cristalina 15-30 min 2h 6-8 h 0.2892/ 0.3373§
Regular® Isuhuman  Frasco/ recargas 0.233/ 0.326§/ 0.347#
Rapid® Frasco/ recarga 0.262/ 0.474#
Intermédia* com zinco
Monotard® Frasco (5 e 10 ml) suspensão 1,5 h 6-8 h 22 h 0.274
Humulin lenta® 0.233
com protamina
Insulatard® frasco/ recarga suspensão 1,5 h 4 h 18 h 0.278/ 0.442§
Humulin NPH® frasco/ recarga 0.236/ 0.424§ / 0.353#
Isuhuman Basal® frasco/ recarga 0.252 / 0.474#
Insulatard Novolet® seringa pré-cheia descartável 0.439
Misturas * rápida+protamina
Humulin M1® frasco/ recarga suspensão 15-30 min 2-4 h 18 h  0.237/ 0.414§
Humulin M2® frasco/ recarga 0.237/ 0.414§ / 0.353#
Humulin M3® frasco/ recarga 0.237/ 0.414§ / 0.353#
Humulin M4® frasco/ recarga 0.237/ 0.414§
Isuhuman Combi 25® frasco/ recarga 0.262 / 0.474#
Mixtard 10® recarga 0.421§
Mixtard 20® recarga 0.421§
Mixtard 30® frasco/ recarga 0.2897/ 0.442§
Mixtard 30 Novolet® seringa pré-cheia descartável 0.439
Mixtard 40® recarga 0.421§
Mixtard 50® recarga 0.421§
Prolongada*
Humulin Lenta® frasco suspensão 4-6 h 12-24 h 30 h 0.236
Humulin Ultralenta® frasco 0.236
Ultratard® frasco 0.278
Análogos
Lispro® recarga solução cristalina 15 - 30 min 1h 4h  

§ recargas de 1.5 ml e # 3 ml; * todas HM “humanizadas” e com concentração de 100 U/ml
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A injecção
A limpeza da área de injecção é desnecessária em doentes com uma boa higiene; caso contrário, deve ser feita com álcool a 70º ou éter. 
A injecção subcutânea deve ser feita numa prega cutânea da área a injectar. A agulha deve ser inserida rapidamente, na perpendicular (90º), no centro da área após o que se procede à injecção.
Locais de injecção
A insulina é administrada habitualmente por via subcutânea (SC), havendo toda a conveniência de se proceder à rotação do local da injecção, para evitar o as lipodistrofias cutâneas que irão alterar a absorção (condensações lipídicas no local da injecção que alteram a velocidade de absorção ou atrofia de gordura com aspecto de depressões cutâneas por desaparecimento lipídico).
Técnicas de administração
Após a introdução da agulha na pele e antes da injecção, o êmbolo da seringa deve ser puxado ligeiramente para trás, para que haja a certeza de que não se atingiram vasos sanguíneos durante a introdução da agulha (Quadros 5 e 6). Aplica-se posteriormente uma certa pressão na área da injecção, com ou sem algodão embebido em álcool e sem massajar.11


Quadro V

Instrumentos de injecção de insulina

SERINGA
As seringas que existem no mercado nacional são de O,5 cc correspondentes a 50 UI de insulina ou de 1 cc que corresponde a 100 UI de insulina. A graduação, em UI, da seringa está adaptada à concentração de insulina.
CANETA INJECTORA
A cada unidade da caneta corresponde 1 UI de insulina a 100 Ul/ml. Método prático, que corresponde a uma modificação das seringas, em que as doses são facilmente medidas e injectadas. Deve esperar-se uns segundos, após injectar para que a insulina não recolha ao frasco devido ao vácuo do êmbolo. Algumas estão mesmo adaptadas para a utilização por invisuais.

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Quadro VI
Agulhas e seringas para injecção de insulina (Protocolo da Diabetes)
Agulhas
marca  tipo  tamanhos
Omnican-MINI® para as canetas da Lilly e Novo 8mm e 12mm
Omnican-H-Mini® para a caneta da Aventis (Hoescht) 8mm e 12mm
BD® para as canetas da Lilly e Novo 5mm
BD® para a caneta da Aventis (Hoescht) 5mm
Seringas
BD® Agulha incorporada, sem espaço morto e escala de 1 em 1 U 50cc

Embora as habituais sejam a administração com seringa ou "caneta injectora" (Quadro VII), existem outras possibilidades em estudo.13


Quadro VII
Outros meios de administração da insulina
BOMBAS DE PERFUSÃO
(Não disponíveis no mercado Português)
Utilizadas em condições muito especiais de terapia intensiva. Método de administração que mais imita a secreção pancreática fisiológica de insulina. libertada em bólus como resposta aos alimentos ingeridos. 
INTRANASAL  Em estudo. A possibilidade de se utilizar esta via de administração resulta da ligação da insulina a um surfactante, que não deve ser agressivo para a mucosa nasal, por aplicação prolongada.
INTRARRECTAL  Em estudo. A associação da insulina ao dihidrocolato de sódio mostrou-se eficaz por via rectal.
PERFUSÃO IV Utilizada em situações de emergência.

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Condições de conservação
A insulina é uma substância de natureza proteica, pelo que pode perder actividade se não for conservada convenientemente. Os frascos em uso podem ser conservados à temperatura ambiente, sem qualquer alteração da insulina (cerca de seis semanas).Os frascos de reserva devem ser mantidos no frigorífico, mas afastados do congelador, dado que a congelação determina a desnaturação proteica e a perda da actividade. A insulina deve ser desprezada e iniciada a terapêutica com outro frasco, quando se observarem alterações do seu aspecto (ex. coloração amarelada). 
Em viagem
O diabético deve levar consigo a insulina necessária ao seu tratamento, durante o período de viagem ou a contactar um médico no local, face às diferentes apresentações ainda existentes nos outros países (40 UI e 100 UI por ml). 
Deve evitar-se as alterações de temperatura (ex. na bagageira do avião pode congelar) e a exposição à luz directa, porque se degrada gradualmente, dando-lhe uma coloração amarelada.

Interacções Medicamentosas
São resultantes da antagonização ou do aumento dos efeitos farmacodinâmicos (Quadro VIII).

Quadro VIII
Interacções medicamentosas da Insulina
NECESSIDADES AUMENTADAS(potenciação da acção hipoglicemiante) NECESSIDADES REDUZIDAS(potenciação da acção hipoglicemiante)
Costicosteróides
Glucagon
Hormona do crescimento
Catecolaminas
Estimulantes beta adrenérgicos
Tiroxina
Contraceptivos orais
Tiazidas (diuréticos)
L-asparaginase
Fenitoína
Salicilatos (altas doses)
Álcool
Antidiabéticos orais
Cloroquina
Disopiramido
Tetraciclinas

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Reacções adversas
Os problemas principais que se colocavam eram consequência do grau de pureza deficiente da insulina: aparecimento de lípodistrofías, alergias no local da injecção e resistência à terapêutica.
Actualmente, os problemas apontados já praticamente não se colocam, por se dispor de insulinas de elevado grau de pureza.17

Contra-indicações
Em pessoas alérgicas ao fármaco, situações que são extremamente raras com maior prevalência na de origem animal (em desuso). Nestes casos o médico optará por outro tipo de insulina.18

Efeitos secundários
Geralmente consequência de um mau controlo terapêutico, podem surgir:
- Aumento de peso por efeito anabólico.
- Flutuação da glicemia entre hipo e hiperglicemia.
- Hipoglicemia. Deve-se geralmente à administração de doses de insulina superiores às necessárias, exercício físico exagerado, de uma alimentação deficiente em hidratos de carbono ou intervalo alimentar prolongado.
- Hiperglicemia. Devida em geral a administração de doses inferiores às necessárias, uma refeição mais abundante em hidratos de carbono ou a intercorrência (infecção, stress, etc).
Medidas a tomar
Adaptar a posologia de insulina aos valores de glicemia encontrados, tendo em conta o teor alimentar em hidratos de carbono (HC) ingeridos e o exercício físico praticado. Reforçar a autovigilância da glicemia e eventualmente da cetonúria, em particular se há suspeita de intercorrência.
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Factores que influenciam o controlo glicémico
1. Dieta - Erros e/ou alterações na sua constituição (os excessos alimentares e os intervalos de tempo irregulares entre as refeições são erros frequentes).
2. Actividade física - Aumenta a captação de glucose baixando a glicemia e as necessidades de insulina, mesmo horas após a sua efectuação, pelo que se deve diminuir as doses ou aumentar a ração alimentar prévia.
3. "Stress" - Psíquico ou por infecções intercorrentes, cirurgia e/ou traumatismos.
4- Alterações hormonais - sobretudo na puberdade e gravidez pela acção da hormona do crescimento. Na menstruação por vezes as glicemias podem estar aumentadas no período pré-menstrual.
5- Gastroparesia - devida à lentificação da digestão gástrica.
6- Insuficiência renal (IR) - variável segundo o seu grau, tipo de diálise efectuada e da alimentação, levando a modificações posológicas frequentes.
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A insulinoterapia está indicada em:
Tratamento permanente
- Diabéticos tipo 1 (DID);
- Falência da terapêutica oral na diabetes tipo 2 (DNID);
Tratamento temporário
- Diabetes gestacional;
- Na diabética tipo 2 que pretende engravidar ou que já está grávida;
- Intervenções cirúrgicas ( pré e pós operatórios);
- Doenças intercorrentes (ex. TP e outras infecções graves, EM, etc);
- Diabéticos com úlcera aguda do pé
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Situações mais comuns em Medicina Familiar
Diabetes Inaugural (ver Diabetes Mellitus)
Situação em que a sintomatologia de poliúria, polidipsia, astenia e emagrecimento, em regra de instalação não muito longa, acompanhada de valores de glicemia diagnóstica exigem o início de insulina. A instituição da primeira injecção pela equipa de Cuidados Primários, em particular pelo seu Médico de Família, acompanhada de explicação sobre a situação, reforça a confiança e laços necessários à futura educação terapêutica contínua (Quadro IX). O diabético deve então ser referenciado a uma consulta de diabetes hospitalar, que na sua maioria garantem acessibilidade prioritária a estes doentes, sobretudo crianças e adolescentes.


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Quadro IX

Início de Insulina na Diabetes tipo 1

Fluxograma
1. Explicação simples sobre diabetes tipo 1
2. Ensino de técnica com seringa na 1ª consulta utilizando insulina regular
3. Contacto com o colega hospitalar para consulta
4. Se não houver possibilidade de consulta no mesmo dia, propor duas doses de insulina de acção intermédia 0,1 a 0,2 unidades (UI) por quilo de peso distribuídas em duas tomas: ao acordar, 20 a 30 minutos antes do pequeno-almoço (2/3 da dose total) e ao jantar (NPH) ou deitar (Zn) (1/3 da dose total) e disponibilizar contacto.
5. Verificar e garantir o acesso a consulta especializada e manter disponibilidade.

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Cetose (ver Cetacidose diabética)
Situação para a qual a equipa deve saber educar o diabético tipo 1 a tratar e que pode ocorrer por défice de insulina face à sua sobre utilização (situação de stress) ou por dose insuficiente.24

Diabetes tipo 2 mal controlada
Questão: Quando iniciar Insulina na diabetes tipo 2 mal controlada?
- Na falência secundária aos antidiabéticos orais - história de anos de evolução, seguidos de agravamento do controlo metabólico e instalação de "polis" e emagrecimento. A dúvida se se trata de uma falência secundária ou de uma diabetes tipo 1 de instalação lenta ("LADA" - Late Autoimune Diabetes of the Adult) tem relativa importância clínica, já que o início de tratamento com insulina se impõe em ambos os casos.
- Na insulinoresistência relativa (muitas vezes por deficiente adesão à dieta e exercício) - esta situação impõe avaliação criteriosa, já que o início da insulinoterapia aumentará o peso agravando a insulinoresistência. No entanto, a maioria dos diabéticos parece associar o uso da insulina ao agravamento do seu estado e aderir às propostas da equipa. Por outro lado, ao diminuir-se a glucotoxicidade na célulaß pancreática devida à permanente exposição a hiperglicemia, poderá vir a verificar-se posteriormente diminuição progressiva das doses, havendo autores que chegam a advogar a sua utilização mesmo nas fases precoces com este fim.
Propomos iniciar insulinoterapia nestes diabéticos desde que:
a. Não haja possibilidade de correcção pelo reforço de dieta hipocalórica e fraccionada e exercício físico adaptado;
b. Não consigam alcançar controlo metabólico aceitável (HbA1c<8%);
c. Haja perfil de risco acrescido 

- Por doença intercorrente ou complicação - a necessidade de correcção metabólica para promover a cura de patologia associada (ex. TP ou EAM) ou de sintomas devidos à diabetes e que afectam a qualidade de vida (ex.: neuropatia hiperestésica, prurido vulvar persistente) ou por complicação (úlcera aguda do pé) implica muitas vezes o início de insulinoterapia.

A insulinoterapia deverá ser monitorizada, preferencialmente, através da autovigilância da glicemia e cetonúria (todos os diabéticos tipo 1 e maioria dos tipo 2) e apenas nalguns casos pela glicosúria de expoliação (ex. diabéticos tipo 2 idosos a quem se pretende apenas evitar esta)

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Esquemas posológicos
De um modo geral, não existem protocolos fixos sobre as posologias a iniciar, mas apenas propostas de orientações. 
A terapêutica insulínica tem como uma das suas principais características a adaptação ao indivíduo, baseada no tipo de insulina, no número de tomas diárias, no intervalo entre elas e no número de unidades a administrar. De início, as posologias são estabelecidas com base na experiência clínica de cada um e devem ser adaptadas aos objectivos individuais de tratamento, valores de glicemia verificados, de acordo com o autocontrolo e o controlo laboratoriais (Quadro X).26

Quadro X

Inicio de insulina em diabetes tipo 2

Fluxograma
(não necessariamente numa consulta única)

1. Explicação simples sobre a necessidade de insulina;
2. Ensino sobre autovigilância da glicemia capilar;
3. Reforço do ensino sobre prevenção e tratamento da hipoglicemia;
4. Ensino de técnica com seringa na consulta, utilizando insulina regular;
5. Propomos 0,1 a 0,2 unidades (UI) por quilo de peso numa única toma ao deitar começando com 12 unidades e subindo 2 UI cada 3 dias até obter glicemias de jejum >70 e < 120mg/dl (6mmol/L), mantendo a terapêutica oral;
6. Se a dose necessária alcançar as 18 UI propomos passar para duas tomas diárias, sendo que a do acordar deverá corresponder a 2/3 e a do jantar ou deitar, a 1/3. A terapêutica oral com sulfonilureias deve ser interrompida;
7. Procurar discutir a manutenção do controlo com a equipa hospitalar, com ou sem referência do doente, sempre que possível.

A experiência do médico em manejar a insulina permite a adequação posológica a cada doente de acordo com os casos particulares como a terapêutica de manutenção em diabéticos com mau controlo sistemático, ou a adaptação em função da alimentação, ou do exercício físico, ou de uma patologia eventual, ou de outras situações.
Esquemas de uma ou múltiplas injecções exigem o conhecimento e adaptação ao doente, pelo que a utilização das insulinas deverá ter como regra a da demais medicação: prescrever aquela a que se está mais habituado e solicitar consultadoria, referenciando o doente sempre que necessário. 
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Organização dos seus cuidados
O tratamento da pessoa com diabetes assenta na organização dos seus cuidados tendo como fim a prevenção das complicações agudas e crónicas e a manutenção da qualidade de vida (Quadro XI). 
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Quadro XI

Organização dos cuidados

Recursos necessários
- Humanos (tempo próprio de um ou mais elementos)
1. Instrutor da dieta
2. Instrutor da técnica de injecção
3. Responsável pela prescrição e ensino da dosagem de insulina
4. Equipa contactável fora-de-horas com mensagem consistente
5. Sistema de programação e/ ou convocatória de consultas

- Equipamento
1. material de injecção
2. material de autovigilância
3. insulina
4. material impresso de informação

- Educação Terapêutica Mínima
1. Dieta ajustada à insulinoterapia
2. Prevenção e tratamento das hipoglicemias
3. Autovigilância da glicemia capilar
4. Autocontrolo: ajuste terapêutico face aos resultados da autovigilância
5. Autoinjecção
6. Prevenção e correcção da cetose


Estes princípios válidos para qualquer nível de cuidados e para todos os grupos de diabéticos apresentam grande importância ao iniciar-se a insulinoterapia, pelo que há necessidade de uma estrutura e organização mínimas, sem as quais não é possível assegurar o adequado suporte ao diabético e família.
A actuação conjunta do Médico de Família e do especialista em Diabetes e a adequada comunicação entre todos os elementos de ambas as equipas é essencial para a obtenção de bons resultados.
Todos os elementos da equipa devem fornecer a informação e a aquisição das aptidões necessárias à educação terapêutica dos diabéticos e suas famílias, para além de exporem e discutirem os objectivos de tratamento individuais referenciando-os no se Guia do Diabético, numa forma coerente e integrada.

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Bibliografia
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