Ácido acetilsalicílico acima dos 70 anos associa-se a risco aumentado de cancro avançado, metástases e morte por cancro

 


 

Pergunta clínica: Qual o efeito do ácido acetilsalicílico (AAS) na incidência e mortalidade por cancro em adultos com idade igual ou superior a 70 anos?

Enquadramento: O estudo ASPREE havia demonstrado que a toma de AAS em idosos saudáveis não apresenta benefício cardiovascular, mas associa-se a um risco aumentado de mortalidade por todas causas e também risco hemorrágico aumentado. Este estudo traz, agora, novas conclusões.

População: idosos saudáveis
Intervenção: AAS 100 mg por dia
Comparação: placebo
Outcomes: composto – sobrevida livre de incapacidade (morte, demência ou incapacidade/dependência física persistente)

Desenho do estudo: Ensaio clínico aleatorizado (duplamente cego). Os participantes foram aleatorizados para 2 grupos: AAS 100mg id e placebo e seguidos por um período de 4.7 anos. Foram incluídos participantes com 70 ou mais anos (≥ 65a se raça negra ou hispânicos, pela menor esperança média de vida destes), sem história de doença cardiovascular, demência ou deficiência física, e com esperança média de vida mínima de 5 anos. Os eventos oncológicos fatais e não fatais – previamente definidos como marcadores (endpoints) secundários -, foram analisados através da revisão dos registos clínicos.

Resultados: Foram incluídos 19114 participantes (9525 no grupo AAS e 9589 no grupo placebo). No início do estudo, os grupos estavam equilibrados, nomeadamente no que concerne aos antecedentes oncológicos conhecidos, presentes em 19% dos participantes. A incidência de cancro foi similar no grupo AAS e no grupo placebo (23.9 vs. 23.0 por 1000 pessoas-ano). A mortalidade por cancro foi superior no grupo AAS (6.4 vs. 4.8 por 1000 pessoas-ano), com um NNH (number needed to harm) de 629. A ocorrência de metástases foi também superior no grupo AAS (6.1 vs. 5.1 por 1000 pessoas-ano), com NNH=1006. Não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos na incidência de cancros hematológicos ou linfáticos. A proporção de cancros de estadio 4 foi superior no grupo AAS (6.5 vs. 5.3 por 1000 pessoas-ano), com NNH=839.

Comentário: O ensaio ASPREE foi precocemente interrompido devido a um aumento na mortalidade por todas as causas no grupo AAS. Parte deste excesso de mortalidade pode ser explicado por uma mortalidade por cancro aumentada no grupo AAS. As conclusões deste estudo diferem de outros estudos conduzidos em populações mais jovens, sugerindo que o AAS, em idosos com 70 anos ou mais anos, poderá acelerar a progressão de cancro. Deste modo, a prescrição de AAS deverá ser criteriosa neste grupo etário.

Artigo original 2021: J Natl Cancer Inst

Artigo original 2018: NEJM

Por Diana Santos Soares, USF Entre Margens

 

 

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