Ácido bempedóico para doentes intolerantes a estatinas

 

 

Pergunta clínica: O ácido bempedóico reduz os eventos cardiovasculares graves em doentes com elevado risco cardiovascular e intolerância a estatinas, em prevenção primária?

População: doentes intolerantes a estatinas, com risco cardiovascular alto, sem eventos cardiovasculares prévios
Intervenção: ácido bempedóico oral, 180 mg, diariamente
Comparação: placebo
Outcome (primário): tempo até a ocorrência de algum evento cardiovascular de um outcome composto

Desenho do estudo: Ensaio clínico aleatorizado, duplamente cego e controlado por placebo. O recrutamento ocorreu em 1250 centros de 32 países, entre dezembro de 2016 e agosto de 2019. Foram incluídos pacientes intolerantes a estatinas, com risco cardiovascular alto, sem eventos cardiovasculares prévios. O grupo de tratamento recebeu ácido bempedóico oral, 180 mg, diariamente. O marcador (outcome) primário foi a ocorrência de um marcador composto que incluiu: morte cardiovascular, enfarte agudo do miocárdio não fatal, acidente vascular cerebral (AVC) não fatal ou revascularização coronária.  A mediana do tempo de acompanhamento dos participantes foi de 39,9 meses.

Resultados: De um total de 13,970 doentes intolerantes a estatinas, 4206 foram elegíveis para prevenção primária e de acordo com os critérios de inclusão do estudo, tendo sido aleatorizados 2100 para o grupo tratamento e 2106 para o grupo placebo. A idade média dos participantes foi de 68 anos, 59% eram mulheres e 66% tinham Diabetes. Foi observada uma redução significativa para o outcome primário composto por morte cardiovascular, EAM não fatal, AVC não fatal e revascularização coronária (111 eventos (5,3%) vs. 161 eventos (7,6%); HR 0,70 [IC 95%, 0,55 -0,89]). O número necessário tratar (NNT) para prevenir um evento do outcome composto foi de 43 pacientes. Face ao grupo placebo, o ácido bempedóico demonstrou uma redução significativa dos níveis de colesterol LDL (21,3%) e proteína C-reativa (21,5%). No grupo tratamento, observou-se também uma redução significativa do risco para outcomes secundários, incluindo morte cardiovascular (37 eventos (1,8%) vs. 65 eventos (3,1%); HR, 0,61 [IC 95%, 0,41 -0,92]), enfarte agudo do miocárdio (29 eventos (1.4%) vs. 47 eventos (2.2%); HR 0.61 [IC 95%, 0.39-0.98]) e mortalidade por todas as causas (75 eventos (3,6%) vs. 109 eventos (5,2%); HR 0,73 [IC 95%, 0,54 -0,98]). Não foram observados efeitos significativos em relação aos marcadores AVC ou necessidade de revascularização coronária. Os efeitos adversos incluíram uma maior incidência de gota, colelitíase e alterações analíticas (elevação da creatinina sérica, ácido úrico e enzimas hepáticas).

Comentário: De acordo com as recomendações de 2019 da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) para o tratamento de dislipidemias, as estatinas são a terapêutica de primeira linha para a redução do colesterol LDL e prevenção de eventos cardiovasculares adversos em doentes de alto risco cardiovascular. No entanto, apesar de geralmente bem toleradas, 5 a 10% dos pacientes não conseguem manter a terapêutica com estatina, mais frequentemente devido a queixas musculares. A melhor tolerância do ácido bempedóico em relação a estas queixas poderá relacionar-se com o facto de a enzima responsável pela sua activação estar presente nos hepatócitos, mas não nos miócitos. Este estudo contribui para a identificação de alternativas farmacológicas para doentes intolerantes a estatinas, demonstrando resultados relevantes para o uso do ácido bempedóico na prevenção primária numa população de elevado risco e com intolerância às estatinas. O ácido bempedóico já se encontra comercializado em Portugal.

Artigo original: JAMA

Por Alexandre Ribeiro, USF Penela

 

 

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