Um internato dividido pelo o Atlântico



O meu percurso como interna de Medicina Geral e Familiar teve início na Unidade de Saúde Familiar Fernando Namora em Condeixa, onde permaneci 2 anos (2015-2016). Após esse tempo e até ao fim do meu internato trabalhei no Centro de Saúde de Nordeste na Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel (2017-2018).

A experiência de trabalhar na Unidade de Saúde Familiar Fernando Namora, que passou por um processo de acreditação para unidade do tipo B em 2016, foi uma mais valia. A unidade tem a sua autogestão, aprendi a importância da constituição de equipas de saúde bem estruturadas, da decisão em equipa, da necessidade de se trabalhar de forma uniforme, tendo por base alguns protocolos internos e indicadores.

Por um lado, os indicadores são instrumentos de medida, que permitem avaliar o estado de saúde e bem-estar da população, que podem medir o desempenho dos serviços de saúde, o impacto destes na saúde da população ou a sua qualidade (1). Por outro lado, alguns autores referem que uma prática baseada em indicadores, corre o risco dos médicos passarem a dar prioridade ao cumprimento dos indicadores avaliados, descurando áreas ou utentes onde o seu investimento poderia ter um efeito clínico mais significativo (2). De fato, apercebi-me em dois anos que se trabalhou muito em função dos indicadores, no entanto foram úteis como guia da prática clínica e permitiram receber incentivos financeiros que melhoraram a instituição. A motivação dos profissionais também era uma constante.

Em 2017, fui trabalhar para o Centro de Saúde de Nordeste que não é uma entidade autónoma. Assim como todos os centros de saúde da ilha, estão dependentes da Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel para gestão dos meios e recursos, desde 2012. Cabe à Sociedade Gestora de Recursos e Equipamentos da Saúde dos Açores a contratualização de indicadores com cada Unidade de Saúde de Ilha (3), sendo estes últimos quem gere os incentivos financeiros. Notei que há pouca preocupação de alguns centros de saúde em esforçar-se para atingir as metas, para além da motivação dos profissionais, na minha perspetiva, ser inferior. Apesar destas diferenças, o CSN apresenta muitas outras vantagens. O facto de ter um Internamento de cuidados continuados intermédios de saúde e uma Unidade Básica de Urgência, permitiu-me alargar as minhas competências e a minha prática enquanto médica de Medicina Geral e Familiar. Para além disso, o Centro de Saúde de Nordeste é dotado de vários técnicos como uma médica de medicina dentária, uma nutricionista, uma psicóloga, uma técnica de radiologia e outra de eletrocardiograma e uma médica fisiatra, realidade diferente da Unidade de Saúde Familiar Fernando Namora e que é muito favorável na prestação de cuidados aos utentes.

Quanto aos rastreios, na Unidade de Saúde Familiar apenas o rastreio da mama é controlado pelo Instituto Português de Oncologia de Coimbra, de resto o Médico de Família tem um papel pró-ativo no rastreio, acompanhamento, referenciação do cancro do colo do útero e cancro colorretal. No Centro de Saúde de Nordeste, existem duas plataformas específicas que estabelecem ligação ao Centro Oncológico dos Açores, uma para o rastreio do cancro do colo do útero e outra para o rastreio do cancro colorretal. O Médico de Família só é responsável por realizar o rastreio do cancro do colo do útero, os restantes são da responsabilidade do Centro Oncológico dos Açores.

Quanto aos sistemas de informação utilizados, no Centro de Saúde de Nordeste não existe uma plataforma de referenciação como em Portugal continental, o Alert®, as referenciações são efetuadas no separador do próprio programa informático, impressas e colocadas num envelope, e são levadas pelo motorista semanalmente para o hospital. Nos Açores não há também interligação de registos do Cuidados de Saúde Primários com os Secundários, apenas se tem acesso ao E-results (plataforma de análises do hospital). A única plataforma de telemedicina utilizada nos Açores é a MEDIGRAF, que suporta a decisão no tratamento de feridas pela enfermagem.

Quanto à população de ambos os ficheiros dos orientadores de formação, não diferiam significativamente. Em Condeixa, o ficheiro era constituído por uma população de 1585 utentes em 2016, 626 famílias, com predomínio do sexo feminino. Tratava-se de uma população do tipo regressiva, segundo a classificação de Sundbard. O índice de dependência era de 57.93% e o índice de envelhecimento de 91.67%. O grupo vulnerável de maior impacto eram as mulheres em idade fértil (47,95%). No Nordeste, o ficheiro é constituído por uma população de 1706 utentes em 2018, 636 famílias, com igual número de indivíduos do sexo feminino e masculino. Trata-se, tal como em Condeixa, de uma população do tipo regressiva, com índice de dependência inferior ao da Unidade de Saúde familiar, de 44.3%, embora o índice de envelhecimento tenha sido superior, de 104.3%. O grupo vulnerável mais representativo foram também as mulheres em idade fértil (22.8%).

A Universidade do Algarve, em 2016, estudou até que ponto os diferentes modelos organizativos (Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados, Unidades de Saúde Familiares tipo A e Unidades de Saúde Familiares tipo B), se traduzem em níveis de desempenho diferentes. Os resultados obtidos concluíram que a evolução das Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados para Unidades de Saúde Familiares tipo A aumentará em média, a sua produtividade total em 8,54%, sem grande investimento financeiro do Estado. Das Unidades de Saúde Familiares tipo A para as de tipo B, o ganho de produtividade é de 2,99%. Estes resultados sugerem que o melhor percurso será evoluir das Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados para as Unidades de Saúde Familiares tipo A (4). Será que nos Açores se caminhará para a criação de Unidades de Saúde Familiares?

Trata-se de um internato invulgar, realizado entre o comodismo da proximidade de uma grande cidade e por outro lado o desafio da medicina rural, com muitas aprendizagens pelo caminho, tentando absorver o melhor dos dois mundos.

Bibliografia:

1. Indica Bem, SNS, dez 2017.

2. Pinto, Daniel; Corte-Real, Susana; Nunes, JM. Atividades preventivas e indicadores – Quanto tempo sobra? Revista Portuguesa Clínica Geral. 2010; 26:455-64.

3. SAUDAÇOR. Metodologia de contratualização de cuidados de saúde primários 2015. 2014.

4. Diferentes modelos organizativos de cuidados de saúde primários apresentam diferenças de desempenho?, Cristiano de Jesus Teixeira, Universidade do Algarve, 2016.


Por Rita Viana

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