Cuidados de Saúde Primários em 2014 – ameaças e/ou oportunidades!?

 

Em 2014, a contratualização e a evolução das USF, bem como das outras unidades funcionais, estão a ser influenciadas por vários factores, alguns que constituem oportunidades e outros que constituem ameaças. Depende de nós, profissionais de saúde, nas nossas equipas e nas nossas organizações, intervir, potenciar as oportunidades e, sempre que possível, transformar as ameaças em oportunidades.

Contratualização em 2014, como será?

As alterações no processo de contratualização, surgidas em consequência da nova portaria e da nova metodologia, exigem uma actuação inteligente e fundamentada das partes, de forma a garantir melhores cuidados, focados nas pessoas e nos ganhos em saúde, que são muito mais do que indicadores.

As alterações no número de indicadores e na sua complexidade, bem como na população considerada para efeitos de cálculo (população total versus população vigiada) justificam a procura de equilíbrio na definição das metas, que devem ser, simultaneamente, exigentes e exequíveis, de forma a evitar o estreitamento e o foco exagerado do trabalho dos profissionais nos indicadores.

Temos um sistema de contratualização muito evoluído (por exemplo, quando o comparamos com o dos hospitais) que, no entanto, necessita de consolidação gradual e progressiva, só possível com aprendizagem contínua e baseada em completa transparência, em crescente capacitação das equipas das unidades de saúde, em novos comportamentos e em avaliação com consequências, a todos os níveis da administração pública.

É neste contexto que a USF-AN está a contribuir para que as USF façam e partilhem o seu “trabalho de casa”, tomem a iniciativa na preparação da contratualização com os ACeS, de forma a que sejam respeitados os seus princípios e cumpridos os prazos, previstos para a assinatura das cartas de compromisso, até 31 de Março de 2014.

Foi publicada uma primeira reflexão sobre o anteriormente referido, que vai servir de base ao debate, a realizar no encontro do dia 19, na Ordem dos Médicos, no Porto.

Ainda a este propósito, vale a pena revisitar o balanço e ensinamentos dos anos anteriores:

“O que é a contratualização?”

Testemunhos 

Propostas de melhoria

 

Evolução das USF em 2014, o que vai acontecer?

Segundo o jornal “Tempo Medicina”, de 27 de Janeiro, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Saúde (SEAS) fez diversas afirmações na Comissão Parlamentar de Saúde da Assembleia da República, que devem ser analisadas.

“Temos estado já a trabalhar … no sentido de criar um sistema que generalize a atribuição de remuneração variável, por incentivos ou por objectivos, também aos profissionais das UCSP”.

Assim, para o Sr. SEAS, a remuneração associada ao desempenho nas UCSP será uma boa medida para diminuir as diferenças no modelo assistencial entre as UCSP e as USF.

Esta afirmação não pode deixar de ser equacionada no contexto actual, em que existe uma desaceleração e um desinvestimento nas USF (de 2006 a 2011 iniciaram actividade 319 USF, em média 53 por ano; em 2012 iniciaram 38 e em 2013 iniciaram 28), no seu acompanhamento e no cumprimento dos compromissos assumidos – veja-se, por exemplo, o atraso generalizado e de vários anos em relação ao pagamento dos incentivos institucionais.

As UCSP devem, antes de outras medidas, constituir centros de custos, com igualdade de condições de trabalho, de espaço físico e equipamentos, com uma área geográfica, uma carteira de serviços, recursos humanos adequados, um coordenador, contratualização e avaliação.

Fazendo sentido reflectir sobre a aplicação e generalização do princípio de discriminação positiva, não podemos aceitar a equiparação artificial das UCSP e das USF, não podemos aceitar que se ponha em causa um modelo diferenciador, exigente, que pressupõe autonomia e responsabilidade, assente na constituição de uma equipa multiprofissional, sujeita a um compromisso assistencial, contratualização e avaliação.

Uma outra afirmação, segundo a referida notícia do “Tempo Medicina”, é a seguinte:

– É quem trabalha nas referidas unidades funcionais (UCSP) que “está a responder ao essencial da pressão” actualmente existente sobre os cuidados de saúde primários.

Esta afirmação é mesmo assustadora, pela disparidade face à realidade. As USF permitiram atribuição de equipa de saúde a mais 600 mil cidadãos, asseguram intersubstituição na equipa, resposta diária às situações agudas e fazem-no, como é reconhecido no preâmbulo da recente portaria, a par de melhor desempenho, qualidade e eficiência.

Finalmente, ao afirmar que em 2014 “Iremos procurar abrir mais 30 USF de modelo A e passar, pelo menos, mais 16 USF para modelo B…” (quando, há mais do dobro das candidaturas a USF e pelo menos 18 USF têm parecer positivo, aguardando homologação para B desde o ano anterior), está a defraudar totalmente as legítimas expectativas dos profissionais e cidadãos, perpetuando um sistema a duas velocidades, que diz querer ultrapassar.

O que vamos fazer?

Face a esta elucidativa e total ausência de ambição e de vontade política para prosseguir e completar a reforma dos cuidados de saúde primários, o que vamos fazer?

As nossas organizações têm sabido combinar a sua inevitável competição, própria de entidades com características diferentes, com a cooperação, própria de entidades com objectivos comuns. Um bom e duradouro exemplo, com vários anos de confiança e consolidação, é a unidade que a FNAM e o SIM têm sabido construir em torno de questões fundamentais para os médicos.

Há outros exemplos de unidade, como a carta aberta subscrita pela USF-AN, a Ordem dos Enfermeiros e a Ordem dos Médicos, em Março de 2013, intitulada A vida, a saúde e os cidadãos exigem mais e melhores Cuidados de Saúde Primários”.

Ou como a recente posição conjunta da USF-AN, APMGF, FNAM, SIM, OM e Colégio de Especialidade de MGF, em torno da questão dos “incentivos”, luta que teve muitos outros apoios.

É tempo de as diferentes organizações dos profissionais de saúde dos CSP, em convergência com os anseios das populações, construírem objectivos comuns, investindo fortemente nas Unidades de Saúde Familiar, nos Cuidados de Saúde Primários e no Serviço Nacional de Saúde.

Bernardo Vilas Boas, Presidente da Direcção da USF-AN

 

 

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