Liraglutido na pré-diabetes: que evidência?



Pergunta clínica: Nos pacientes com pré-diabetes, o liraglutido é eficaz na redução do risco de diabetes mellitus tipo 2?

Enquadramento: O liraglutido é um análogo do péptido-1 semelhante ao glucagom (GLP-1) Segundo o Infarmed é um medicamento que pode estar indicado no tratamento de adultos com diabetes mellitus tipo 2 para alcançar o controlo glicémico em monoterapia (quando a toma de metformina não é recomendada) ou em terapia combinada.

Desenho do estudo: Ensaio clínico controlado e randomizado (duplamente cego), 2254 indivíduos com pré-diabetes com base nos critérios da ADA (2010) e índice de massa corporal de pelo menos 30 Kg/m2 ou de pelo menos 27 Kg/m2 com co-morbilidades, foram aleatorizados e distribuídos por dois grupos, com duas estratégias terapêuticas diferentes. Primeiro grupo: intervenção no estilo de vida (dieta com redução calórica e aumento da  atividade física) + liraglutido 3mg subcutânea uma vez por dia; Segundo grupo: intervenção no estilo de vida (igual ao grupo anterior) + placebo. O endpoint primário era avaliar a proporção de indivíduos com diabetes tipo 2 às 160 semanas.

Resultados: O estudo decorreu durante 3 anos. Dos 2254 pacientes, 1505 receberam liraglutido e 749 placebo. Destes apenas 1128 (50%) completaram o estudo até às 160 semanas. Na semana 160, 26 (2%) dos 1472 indivíduos do grupo do liraglutido e 46 (6%) dos 738 indivíduos do grupo placebo tiveram o diagnóstico de diabetes.  O tempo médio para o diagnóstico de diabetes foi de 99 semanas (SD 47) para o grupo liraglutido e de 87 semanas para o grupo placebo. Assim, às 160 semanas o início do diagnóstico de diabetes foi 2 a 7 vezes mais tarde com liraglutido do que com o placebo. O liraglutido induziu maior perda de peso (-6,1%) em comparação com o placebo (-1,9%). Os efeitos adversos graves foram relatados em 15% do grupo liraglutido e em 13% do grupo placebo.

Comentário: Os autores concluem que o liraglutido parece ter benefícios na redução do risco de diabetes nos indivíduos obesos ou pré-diabéticos. Contudo, na interpretação destes resultados há que ter em conta vários aspetos. Metade dos participantes abandonaram o estudo, o que fez com que houvesse perda de informação e consequentemente viés na análise dos resultados. Existem fatores individuais envolvidos que podem condicionar a resposta ao tratamento. Os autores do estudo têm conflitos de interesse. O patrocinador do estudo participou na análise e interpretação dos dados. Ficam ainda algumas questões por resolver: os eventuais benefícios do liraglutido são superiores à dos outros análogos do péptido-1 semelhante ao glucagom? Os efeitos adversos são o principal motivo para a não adesão? Para respondermos a estas e outras questões são necessários mais estudos controlados e randomizados e com um período mais longo de seguimento. 

Artigo original: Lancet

Por Marisa Gomes, USF S. Miguel-o-Anjo 




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