Rastreio do aneurisma da aorta abdominal: fazer ou não fazer?

Por Vítor Cardoso, USF Gualtar

Pergunta clínica: o rastreio do aneurisma da aorta abdominal (AAA) por ecografia abdominal em indivíduos assintomáticos reduz a mortalidade?

Desenho: Revisão baseada na evidência, realizada pelos colaboradores da Alberta College of Family Physicians.

Resultados: Foi encontrada uma revisão sistemática da Cochrane que incluiu 4 ensaios clínicos aleatorizados e controlados (ECAC), num total de 137 233 indivíduos (127 891 homens). Não foi encontrada uma redução significativa da mortalidade por todas as causas, tanto nos homens, como nas mulheres rastreadas. A diminuição da mortalidade relacionada com o AAA foi significativa e verificada unicamente nos homens. O ECAC mais relevante foi o MASS, um ECAC de elevada qualidade realizado a nível dos cuidados de saúde primários da Inglaterra, e que incluiu 67 800 homens com idades entre os 65 e os 74 anos, aleatorizados para serem convidados ou não para o rastreio ecográfico do AAA. A prevalência de AAA foi de 4.9% e após 10 anos de seguimento a mortalidade relacionada com o AAA foi significativamente menor no grupo rastreado (4,6/1000 mortes), comparativamente com o grupo de controlo (8,7/1000 mortes). Outros ECAC de menor magnitude chegaram a conclusões globalmente semelhantes. Apenas um pequeno ECAC incluiu mulheres: assintomáticas e com idades entre os 65 e 80 anos. A prevalência de AAA foi de 1.3% e após 30 meses de seguimento, o rastreio não conferiu diferenças na mortalidade para o sexo feminino.

Comentário: A mortalidade associada à rutura de um AAA é de 80%. Quando os AAA são detetados antes desse evento catastrófico e revelem dimensões em que esteja indicada a correção cirúrgica, a mortalidade associada a esse procedimento ronda os 5%, fazendo ponderar o benefício da deteção precoce através de um rastreio. Parece existir um elevado nível de evidência para o rastreio ecográfico do AAA nos idosos do sexo masculino, uma vez que todos os ECAC realizados demonstram uma redução significativa da mortalidade por esta causa. Adicionalmente, uma meta-análise estimou que seriam necessários rastrear 238 homens ao longo de 10-15 anos para evitar uma morte relacionada com o AAA (NNR=238). Este valor de NNR é muito inferior ao de outros rastreios como o da mama através de mamografia (NNR=2000 aos 10 anos) e o do cancro colo-rectal através da PSOF (NNR=671 em 8-18 anos). Existem várias recomendações internacionais para este rastreio, sendo a da USPSTF a de melhor qualidade e baseada na evidência, recomendando o rastreio ecográfico único aos homens com idades entre os 65 e 75 anos que já tenham fumado. Em Portugal, foi concluído em Março de 2012 o 1º rastreio nacional do AAA (oportunista), aguardando-se os resultados. Apesar do aparente benefício do rastreio, para a sua recomendação existem ainda muitos aspetos a ponderar ou esclarecer. Um exemplo são os efeitos laterais, pois a mortalidade pós-cirúrgica não é desprezível. Assim, poderá acontecer que indivíduos com AAA (mesmos os grandes), poderão morrer não da doença mas da cura.

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