Auto-Gestão e Monitorização de rotina em doentes com DPOC

Por Pedro Azevedo, USF Fânzeres

Objectivo:  Aferir os efeitos a longo prazo da autogestão esclarecida da doença em comparação com monitorização de rotina em pacientes com diagnóstico confirmado de Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) em Medicina Geral no que respeita à qualidade de vida (objetivo primário), frequência e gestão das exacerbações e eficácia (objetivos secundários).

Desenho do estudo: Estudo controlado aleatorizado com a duração de 24 meses, multicêntrico (em 15 clínicas de cuidados de saúde primários na zona Este da Holanda). A alocação dos diferentes doentes foi ocultada aos investigadores. O estudo tinha três grupos (n=55 em cada): dois de intervenção (A: programa de autogestão + acompanhamento habitual; B: monitorização de rotina + acompanhamento habitual) e um de controle (C: acompanhamento habitual). O programa de autogestão consistiu em 4 sessões de tutoria mais o apoio telefónico de uma enfermeira. O acompanhamento habitual caracterizava-se pelas consultas de iniciativa do doente com o médico. A monitorização de rotina consistia em 2-4 consultas por ano com a enfermeira.

Resultados: Concluíram a avaliação aos 24 meses nos grupos A, B e C respectivamente 49, 46 e 44 pacientes. A qualidade de Vida do doente (medida através do score total do questionário validado “Chronic Respiratory Disease Questionnaire”) não mostrou diferenças entre os grupos. Em relação aos objectivos secundários, também não obtiveram diferenças excepto a gestão das exacerbações (mais exacerbações no grupo de autogestão tratadas com “broncodilatadores” (razão de risco 2,81 IC95% 1,16; 6,82), “prednisolona, antibióticos ou outros” (razão de risco 3,98 IC 95% 1,10; 15,58) quando comparados com o grupo de acompanhamento habitual.

Conclusões: Uma autogestão esclarecida ou monitorização rotineira não mostrou benefícios a longo prazo em termos de qualidade de vida ou eficácia em relação ao cuidado habitual em doente com DPOC nos Cuidados de Saúde Primários. Parece no entanto que os doentes com autogestão da doença são mais capazes de resolver as exacerbações apropriadamente que os dos cuidados habituais.

Comentário: Confesso que ao ler este artigo desiludi-me ao pensar que a capacitação do doente não tem resultados tangíveis. Mas vejamos melhor o desenho do estudo. O primeiro tópico a salientar é que o grupo com menos desistências (6 versus 9 ou 11) é o grupo da autogestão. Tal facto pode ter a seguinte interpretação: mais facilidade/comodidade em gerir a sua própria doença e/ou maior interesse na gestão da mesma. O segundo tópico relevante, e na minha perspectiva o maior viés deste trabalho, é o facto das intervenções serem feitas exclusivamente pela equipa de enfermagem, mantendo-se o médico nos três grupos apenas com os cuidados habituais. Não me parece muito provável que haja grandes mudanças, tal como se viu, na qualidade de vida do doente e na eficácia da sua gestão de doença sem que haja uma equipa multidisciplinar na retaguarda em que o médico tem um papel fulcral (principalmente quando consideramos uma doença tão complexa como a DPOC). Por fim, e contrariando a conclusão acima apresentada pelos autores, apenas ficou demonstrado que os doentes com autogestão usam mais os diferentes tipos de medicação sem que esta mostrasse mais eficácia, inclusive recorrendo ao médico com a mesma frequência que os outros. Terá sido má capacitação dos doentes? Vale a pena pensar nisto…

                                                                                                                                    Artigo original

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