Amar & Odiar MGF





Sou interna de Medicina Geral e Familiar há três anos e alguns meses. Com a perspetiva da etapa final dentro de um ano, é estranho chegar à conclusão que aprendi tanto a amar como a odiar esta especialidade.

Desculpem-me a sinceridade, mas às vezes, é muito fácil odiar. Odeio os chatos, que semana a semana, nos entram porta dentro, com os problemas de sempre. Odeio as burocracias dos relatórios e atestados para as cartas de condução. Odeio a curriculite e os trabalhinhos sem conteúdo. Odeio não ter tempo para ser a médica que quero ser. Odeio os atrasos e trabalhar contra o relógio. Odeio as indecisões e os dilemas. Odeio principalmente a eminência de errar. Odeio a consciência que, sem querer, posso fazer mais mal que bem.

Com tantos ódios, podem questionar-se porque não mudei eu de especialidade ou como é que ainda acredito ter feito uma boa escolha para a minha vida.

Amar é uma palavra forte e cheia, daquelas que nos põem um sorriso no olhar. Aprender a amar pode ser bem mais difícil que odiar. Mas a verdade, é que amo. Amo os sorrisos. Amo os apertos de mão calorosos daqueles que aprenderam a confiar em mim a sua saúde. Amo a relação médico-doente. Amo a pele engelhada dos recém-nascidos e as mãos enrugadas de quem já muito viveu e sofreu. Amo a continuidade de cuidados. Amo acompanhar uma gravidez e anos depois ver entrar o ser que daí se gerou entrar no consultório pelo seu próprio pé. Amo o trabalho de equipa e o espírito inovador das USF. Amo a diversidade desta disciplina. Amo a curiosidade científica e a aprendizagem. Tudo para um objetivo maior: pela saúde dos meus utentes.

Nos dias maus, é fácil esquecer porque amo. Sou médica de família, mas também eu sou uma pessoa, integrada no meu contexto, com os meus problemas e preocupações. O despir da pessoa para vestir o papel de médica não se faz com o automatismo de um interruptor.

Para mim, o mais caricato desta ambivalência, é que, às vezes, acordo mesmo com os pés fora da cama, sem vontade de aturar ninguém. Começo a fazer consultas, e passado um pouco, o foco já não sou eu nem os meus problemas. A meio da manhã, curiosamente já me sinto melhor. Talvez, e pela razão que mais amo MGF, a gratificação de ajudar o próximo, faz com que o sol brilhe um pouco mais alto e aí eu sei que sou o que quero ser quando for grande.

Por Carolina Araújo

MaisOpinião +
Menu