A outra família. A do coração.



Arcos de Valdevez


Escolher o local para realizar o internato de Medicina Geral e Familiar, foi uma decisão que me tirou algumas horas de sono. Para além daquelas dúvidas que todos nós temos, o facto de não saber que pessoas iria encontrar, era o que mais me assustava. Numa etapa tão importante, com quem iria partilhar quatro anos da minha vida? Quem estaria ao meu lado nesta caminhada? Mal sabia eu, que não podia ter encontrado melhor (horas de sono desperdiçadas, portanto).

Tinha chegado o dia. A medo, entrei na USF. Com a timidez à flor da pele, fui conhecendo um a um. As virtudes e os defeitos. Uns são sensíveis, outros levam tudo à frente. Uns são recatados, outros não se calam. Uns são de convívios e brincadeiras. Uns são de sorrisos, lágrimas e abraços, outros têm uma forma desengonçada de demonstrar afeto. Uns são lideres. Uns são melhores numas tarefas do que noutras. E quem não o é? Uns querem tudo para ontem, outros têm uma calma que até enerva. Uns são práticos, outros perfecionistas. Uns são reforço positivo (e isso é tão importante). Todos são equipa. Todos se complementam. Todos me fazem querer voltar no dia a seguir.

Os dias passaram e quando dei por mim já fazia parte, não só daquela equipa de profissionais, mas daquele grupo de pessoas que se auto-intitulam de família.

Mas desenganem-se, nem tudo é um mar de rosas. Há dias menos bons. Dias em que estão assoberbados, discutem e dizem disparates da boca para fora. Dias em que reclamam por tudo e por nada. Dias em que se esquecem dos motivos que os levaram a estar ali. Dias em que os defeitos estão estupidamente exacerbados. Dias, arrisco dizê-lo, em que a última coisa que querem é ver a cara uns dos outros. Não, não são perfeitos. Mas existem famílias perfeitas?

O que existe são pessoas que nos acontecem uma vez na vida e por isso, quase quatro anos depois, escolher-vos-ia outra vez.

Por Carlota Saraiva, USF Vale do Vez, Unidade Local de Saúde do Alto Minho



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