Urgência hipertensiva: CSP ou SU



Pergunta Clínica: Nos pacientes com urgência hipertensiva, o envio ao serviço de urgência, em comparação com o tratamento em Cuidados de Saúde Primários, é mais eficaz sob o ponto de proteção de eventos cardiovasculares major e de controlo hipertensivo?

População: pacientes com urgência hipertensiva

Intervenção: envio ao serviço de urgência

Comparação: tratamento em Cuidados de Saúde Primários

Outcomes: eventos cardiovasculares major e de controlo hipertensivo

Enquadramento: A crise hipertensiva define-se como uma elevação aguda e não controlada da pressão arterial [pressão sistólica (PAS) ≥180 mmHg e ou pressão arterial diastólica (PAD) ≥120 mmHg] e inclui a urgência hipertensiva e emergência hipertensiva. Na emergência hipertensiva a hipertensão não controlada está associada a manifestações que podem traduzir lesão orgânica de novo ou agravamento de disfunção orgânica grave. Na urgência hipertensiva não existem sinais e sintomas de lesão aguda do órgão alvo. Apesar das normas não recomendarem a referenciação dos doentes com crise hipertensiva para o serviço de urgência esta prática ainda persiste. O objetivo deste estudo foi descrever a prevalência da urgência hipertensiva, as suas características e resultados a curto prazo, bem como determinar se os resultados em saúde são mais favoráveis se a resposta for dada em contexto hospitalar versus cuidados de saúde primários.

Desenho do estudo: Estudo de coorte retrospetivo, que incluiu todos os doentes que recorreram por urgência hipertensiva a um consultório do Cleveland Clinic Healthcare System, de 01/01/2008 a 31/12/2013. Critérios de exclusão: mulheres grávidas e doentes que tenham recorrido por outros motivos. O último seguimento foi concluído a 30/06/2014 e os dados foram avaliados de 31/10/2014 a 31/05/2015. Os principais resultados a avaliar foram os eventos cardiovasculares adversos major (síndrome coronária aguda, o acidente vascular cerebral ou acidente isquémico transitório); a hipertensão não controlada (≥140 / 90 mm Hg) e os internamentos hospitalares.

Resultados: Foram atendidos 59836 pacientes (4,6% do total) com critério de urgência hipertensiva. 58535 foram incluídos no estudo. A idade média foi de 63,1 (15,4) anos; 57,7% eram mulheres; e 76,0% eram de raça caucasiana. O IMC médio foi 31,1 (7,6), a PA sistólica média 182,5 (16,6) mmHg e a PA diastólica média 96,4 (15,8) mmHg. Foram comparados 852 doentes encaminhados para o domicílio versus 426 refernciados para o hospital, não se registando diferença significativa nos eventos cardiovasculares adversos major aos 7 dias (0 vs 2 [0,5%], p=0,11), 8 a 30 dias (0 vs 2 [0,5%], p=0,11), ou 6 meses (8 [0,9%] vs 4 [0,9%]; p>0,99). Os doentes encaminhados para o domicílio apresentaram maior probabilidade de ter hipertensão não controlada ao fim de 1 mês (735/852 [86,3%] versus 349/426 [81,9%]; p=0,04), mas não ao fim de 6 meses (393/608 [64,6%] vs 213/320 [66,6%], p=0,56). Os doentes enviados para casa apresentaram menor taxa de admissão hospitalar aos 7 dias (40 [4,7%] vs 35 [8,2%], p=0,01) e aos 8 a 30 dias (59 [6,9%] vs 48 [11,3%], p=0,009).

Conclusão: A urgência hipertensiva é comum, mas a taxa de eventos cardiovasculares adversos major em pacientes assintomáticos é muito baixa. As referenciações para o SU estão associadas a mais hospitalizações, mas não melhoraram os resultados em saúde. A maioria dos doentes ainda tinha HTA não controlada 6 meses após a urgência hipertensiva.

Comentário: Este estudo vem reforçar o que as normas de orientação clínica nacionais sugerem para a urgência hipertensiva. Assim, preconiza-se que o Médico de Família deve ter como objetivo terapêutico reduzir a PA para valores iguais ou inferiores a 160/100 mm Hg, progressivamente, durante várias horas a dias sendo que no doente idoso, o objetivo de PA deverá ocorrer de modo mais lento. Para cada caso, o Médico de Família deve sugerir um plano ajustado ao doente que pode incluir intensificar a restrição de sódio na dieta e/ou ajustar a terapêutica anti-hipertensora. A salientar que a administração de nifedipina de ação rápida ou captopril por via oral ou sublingual não deve ser utilizada devido ao risco de isquemia, enfarte do miocárdio ou cerebral. 

Artigo original: JAMA Intern Med

Por Luís Paixão, UCSP Fernão de Magalhães  





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