Consequências da crise na Saúde: Viver com menos SNS? E, as USF vão sobreviver?

Das medidas gerais contempladas no Orçamento de Estado (OE), ressaltam os cortes nos direitos adquiridos. Cortes nos subsídios de férias e Natal aos trabalhadores do sector público, congelamento dos salários e promoções, corte a 20% no valor da hora extraordinária e manutenção do corte em 10% dos salários dos médicos.

Em relação às verbas para o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), constata-se que perdeu cerca de 1.000 milhões de euros em 2012, mais do que o exigido pela própria Troika. Metade da redução é imposta aos hospitais, que receberão menos 300 milhões de euros de financiamento. O restante valor, será supostamente conseguido com redução da massa salarial (menos de 20%), fecho de serviços, medidas na área dos medicamentos e meios de diagnóstico.

As medidas são duríssimas e não se vão limitar a 2012. Já sabemos que pelo menos em 2013 se vão repetir. Corremos o risco de conduzir a mais insatisfação dos profissionais de saúde com a motivação diária a cair a pique, sendo assim, será mais difícil cumprir objectivos, levando ao aumento da impunidade de quem se mantém a burlar e a maltratar o SNS, aumentando a ineficiência, esvaziando o serviço público e criando condições para florescimento do negócio privado, nem que seja à custa dos dinheiros da ADSE!

Os Cuidados de Saúde Primários (CSP), são uma das áreas que mais mudanças sofreu nos últimos anos. As Unidades de Saúde Familiares (USF), são apontadas pela própria Troika como organizações de sucesso. Em todos os estudos independentes, as USF tem revelado melhores resultados nos indicadores de eficiência económica do que o modelo tradicional, além de revelaram mais satisfação dos utentes e dos profissionais. Em 2009, ocorreu uma diminuição de custos na ordem dos 120 milhões de euros e em 2010, 150 milhões de euros, resultando da qualificação da despesa em medicamentos e em MCDT.

Mas, apesar de toda esta evidência, passado 9 meses de Governação, os sinais são preocupantes. Como explicar por exemplo, a tentativa da ACSS de emagrecimento da componente variável e sensível ao desempenho do sistema retributivo dos profissionais em modelo B de USF, justamente um dos ponto-chave da Reforma?

Por sua vez, como explicar o receio manifestado publicamente pelo actual Vice-Presidente da ARS de LVT que as USF apesar de “constituírem o paradigma da inovação na Função Pública, estão debaixo de fogo. Não sabemos se irão resistir a esse ataque”.

E, como explicar, a contradição entre o memorando da Troika que diz querer mais USF de modelo B e o actual ritmo brando de nascimento de USF? Onde está, o envolvimento proactivo dos nossos governantes para que esta medida da Troika seja cumprida?

Sabemos que as USF não se vendem nas lojas dos chineses, nem as ARS/Troika as podem criar sozinhas, todavia cabe aos dirigentes da saúde ter um plano de trabalho que crie condições para os profissionais se candidatarem.

O que se “palpa” no terreno, é a enorme dificuldade na mobilização de médicos e outros profissionais para constituir USF. É a não resposta à simples aquisição de equipamentos imprescindíveis para se ser USF, o não apoio à colocação de jovens especialistas em USF.

Em suma, com este ritmo de actividade motivacional, será impossível a criação espontânea de mais USF!

O que necessitamos é de reforçar a eficiência dos serviços públicos, reformando as instituições, incluindo os seus dirigentes, e não a sua simples destruição.

É necessário que os médicos de família, aprofundem nas suas unidades de saúde a governação clínica, sobretudo liderem a qualificação da despesa em medicamentos e MCDT, aceitando o compromisso de cumprirem padrões elevados de qualidade com uma responsabilidade de cariz ético-social.

Muito sinceramente, o que temos é de aprender com os Islandeses e reformar o sistema de governação. O que precisamos é de soluções técnicas e cívicas, e cada vez menos políticas: mais democracia directa, mais envolvimento de todos na procura de soluções. Impossível? A reforma dos Cuidados de Saúde Primárias e a criação de USF, é prova de que é possível.

Em tempo de crise, continuar a reforma dos Cuidados de Saúde Primárias é, pois, um imperativo nacional. Não há terceira via.

João RodriguesMais OpiniãoMaisOpinião - João Rodrigues
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