Atualmente nos Estados Unidos da América trava-se uma batalha em que, por um lado, o Presidente Barack Obama defende mais políticas sociais, no caso da saúde o financiamento público de sistema de seguros de saúde (Obamacare) para dar uma cobertura subvencionada a 30 a 33 milhões de norte-americanos, que se traduzem numa despesa pública na ordem dos 30% do PIB e, por outro lado, os republicanos defendem que tais políticas são perniciosas porque levarão à perda de eficiência económica devendo a despesa pública voltar aos 20% do PIB do período anterior a Obama ser Presidente.
O atual shutdown é apenas mais uma batalha numa guerra ideológica que já vem desde os tempos coloniais e que na área da saúde tem sido sucessivamente ganha pelos liberais, apesar de todos os relatórios independentes (Steven Woolf, Janeiro de 2013), demonstrarem que os cidadãos dos EUA têm, em média, menos saúde e morrem mais cedo do que os dos outros países ricos, apesar das despesas médicas por pessoa serem mais elevadas.
O relatório de Steven Woolf, foi o primeiro que analisou várias doenças e comportamentos em todas as classes etárias nos Estados Unidos para comparar com outras 16 nações ricas, entre as quais Austrália, Canadá, Japão e vários países da Europa Ocidental.
Neste grupo de países, os EUA estão sempre ou quase sempre no último lugar em números domínios chave da saúde pública, como mortalidade infantil, feridas graves e homicídios, gravidez das adolescentes, doenças transmitidas sexualmente, mortes associadas à droga, obesidade, diabetes ou ainda a taxa de pessoas portadoras de deficiência.
Desde há décadas que os EUA têm a taxa de mortalidade infantil mais elevada de todos os países ricos, bem como a maior proporção de bebés prematuros e de morte de crianças antes dos cinco anos, resultado dos 40 milhões de americanos sem acesso a nenhum seguro de saúde.
Na actual crise portuguesa e europeia, a guerra ideológica é representada pela Troika e pelo actual governo PSD/CDS, que tem insistido em cortar cegamente nas políticas sociais, nomeadamente na área da saúde, onde a política de cortes já tem resultados bem evidentes, como na área dos transplantes de órgãos, onde o País caiu de quarto lugar em número de transplantes por milhão de habitante para o 12º a nível mundial!
Segundo o Relatório da Primavera de 2013, do Observatório Português do Sistema de Saúde (OPSS), o Ministério da Saúde fez cortes superiores em 150 milhões de euros face ao exigido pela Troika, que estão a ter um impacto direto no acesso aos cuidados e no estado de saúde dos portugueses, aumentando os casos de depressão e as tentativas de suicídio.
Na área dos CSP, apesar da tónica política ser colocada no “reforço de serviços de cuidados de saúde primários”, constatamos que em 2013 ainda só abriram 17 novas USF, quando a média foi de 48 por ano, nos últimos 7 anos anteriores.
Como se vê nos EUA, a economia de mercado e o capitalismo, é geradora de desigualdades sociais. A concorrência em saúde, resulta em agressão para os cidadãos e custos adicionais para o sistema.
É preciso ter algum cuidado na transposição da lógica de mercado para o sector da saúde. O efeito das leis de mercado na saúde muitas vezes é o oposto. Na saúde, o que se verifica é a “lei dos cuidados inversos” (Tudor Hart) e não a “lei da oferta e da procura”.
Nos próximos dias, em relação aos EUA, veremos chantagem política, guerras de palavras e sondagens que levarão as duas partes a recuos e compromissos suficientes para ultrapassar esta pequena crise mas, como a guerra subjacente não tem fim, daqui a uns meses teremos novos capítulos desta novela.
O que necessitamos, tanto em Portugal como nos EUA, é investir prioritariamente em cuidados de proximidade públicos, capacitados, robustos e dotados dum substancial grau de autonomia contratualizada, criando condições para a sustentabilidade de um qualquer sistema de saúde que se queira moderno, eficiente e socialmente justo e solidário.
João Rodrigues, Coordenador da USF Serra da Lousã, smzcjnr@gmail.com