Impacto a longo prazo do rastreio de diabetes




Pergunta clínica: qual o impacto a longo prazo do rastreio de diabetes mellitus na morbilidade cardiovascular, na noção individual de saúde e na procura de cuidados de saúde?

Enquadramento: A Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) é um problema de saúde pública prevalente, apesar de subdiagnosticado, com um longo período de latência e uma percentagem considerável de complicações aquando do diagnóstico. O seu rastreio sistemático tem sido recomendado por várias organizações. Contudo, ainda não é claro que os benefícios a obter em doentes com rastreio positivo suplantem os riscos de induzir prejuízos físicos e mentais em doentes com rastreio negativo. Além disso, estudos prévios são pouco robustos, incidem apenas em diabéticos e não analisam o auto-conceito e o comportamento de saúde individual.

Desenho do estudo: Estudo pragmático de rastreio e intervenção na DM2 em Cuidados de Saúde Primários (CSP). Critérios de inclusão: doentes de unidades de CSP do Leste de Inglaterra, com 40 a 69 anos e score estimado de alto risco de terem DM2. Os doentes foram aleatorizadas em grupos: sem rastreio (grupo controlo com 5 unidades) e com convite para rastreio (27 unidades). O rastreio consistiu em: glicemia ocasional e hemoglobina glicada; posterior glicemia em jejum; prova de tolerância a 75g de glucose oral para confirmação do diagnóstico. Numa segunda fase (7 anos após a aleatorização) foram enviados questionários de auto-preenchimento a uma amostra de 15% dos indivíduos convidados para o rasteio e a uma amostra de 40% de indivíduos do grupo controlo. Foram avaliados os seguintes itens: prevalência de doenças cardiovasculares, prescrição de medicação cardioprotectora, estado funcional, utilização de recursos de saúde, gasto energético, alimentação, hábitos tabágicos e alcoólicos.

Resultados: Foram convidados a fazer o rastreio 16047 doentes, dos quais apenas 466 (2,9%) foram diagnosticados com diabetes. Numa segunda fase, houve uma taxa de resposta aos questionários de 61%, tendo sido incluídos 1373 doentes convidados para o rastreio e 572 doentes do grupo controlo. Não se verificaram diferenças significativas entre os grupos nas variáveis avaliadas. Nos indivíduos convidados para rastreio, não se verificaram igualmente diferenças entre os efectivamente rastreados e aqueles que não o foram, assim como entre estes e o grupo controlo.

Comentário: O estudo ADDITION-Cambridge é o primeiro estudo de base populacional a procurar compreender os efeitos a longo prazo do rastreio da diabetes e a ter em conta a população em geral e não somente os diabéticos. Avalia ainda o estado funcional e a procura de cuidados de saúde, o que também o distingue de outros estudos. Os resultados apresentados não demonstram benefícios a longo prazo no rastreio da diabetes em indivíduos de alto risco, o que é compatível com dados revistos recentemente sobre os rastreios de base populacional. Ainda assim, não se verificou aumento de riscos, na medida em que os indivíduos com rastreio negativo não parecem ter adoptado comportamentos prejudiciais para a saúde. A utilização de metodologia diferente da usada em Portugal na avaliação do risco de ter diabetes, a baixa taxa de novos diagnósticos, a não repetição do rastreio durante o período do estudo e as melhores condições socio-económicas da população estudada não permitem uma clara generalização dos resultados para a realidade nacional.

Artigo original:Ann Fam Med

Por André F. Correia, UCSP Águeda V






A não perder
Menu