Isabel Bissaia Barreto @ Zurique

 

 

 

 

 

Devo referir que penso que Portugal tem óptimos médicos, mas um Serviço Nacional de Saúde (SNS) desorganizado, ineficiente e com poucos recursos. Já durante os anos clínicos, pude observar as consequências deletérias da diminuição do investimento no SNS e decidi que iria trabalhar num sistema diferente.

 

 

Onde estás a viver e há quanto tempo?

Estou a viver na parte alemã da Suíça desde Setembro de 2019. Já residi em vários locais, mas desde Fevereiro de 2023 que vivo e trabalho na minha cidade helvética predilecta, Zurique.

Porque é que após terminares o curso de Medicina em Portugal decidiste fazer o internato na Suíça?
Primeiro tomei a decisão de não realizar o internato em Portugal. Pensei durante muito tempo sobre o assunto, mas a decisão foi tomada no quinto ano do curso. Devo referir que penso que Portugal tem óptimos médicos, mas um Serviço Nacional de Saúde (SNS) desorganizado, ineficiente e com poucos recursos. Já durante os anos clínicos, pude observar as consequências deletérias da diminuição do investimento no SNS e decidi que iria trabalhar num sistema diferente. Além disso, tinha uma grande necessidade de independência. Queria criar uma vida segundo os meus próprios termos num local diferente.
Inicialmente considerei vários destinos: Reino Unido, França, Alemanha e Suíça. Informei-me melhor sobre as condições de trabalho e o processo de candidatura de cada país e no final as hipóteses que ficaram foram a Alemanha e a Suíça.
De modo a ter uma ideia clara sobre a vida laboral nestes países, decidi adquirir experiência no terreno, realizando estágios. Para este fim, estive em Agosto e Setembro de 2018 no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Cantonal de Baden, o qual se encontra a 20 minutos de Zurique. Em Outubro do mesmo ano comecei o programa “Erasmus Estágio” no Hospital Universitário de Frankfurt, na Alemanha, onde realizei todos os estágios do sexto ano.
No final escrevi uma longa lista de prós e contras e acabei por escolher a Suíça.
Como estudante, tive uma posição privilegiada para analisar o modo de funcionamento do Hospital e do Sistema Nacional de Saúde, os quais me agradaram bastante. Tudo estava protocolado, os horários eram cumpridos por todos ao segundo e as reuniões de serviço tinham uma estrutura pré-definida muito clara. Toda esta estrutura era para mim fascinante, porque traçava linhas orientadoras de sucesso; garantindo que nada era esquecido e que a comunicação das informações mais importantes fluía atempadamente. Este primeiro contacto influenciou muito a minha decisão final. Além disso, trata-se de um país repleto de beleza natural e pouco poluído, mas ao mesmo tempo com cidades interessantes como Zurique, Basileia, Lausanne, Genebra, Berna e Lucerna.
O aspecto financeiro também é apelativo, dado que o ordenado é mais elevado na Suíça do que nos restantes países europeus, mas o custo de vida também, sobretudo nas cidades de maior dimensão. Em todo o caso, o meu objectivo nesse departamento sempre foi a estabilidade financeira, não a criação de uma fortuna. Se assim fosse, ter-me-ia tornado analista financeira ou gestora de empresas, não médica.

Onde estás a trabalhar actualmente e com que funções?
Já trabalhei no Serviço de Cirurgia Geral de um Hospital Periférico por um ano e de um Hospital Cantonal durante 2 anos. Actualmente trabalho no Hospital Universitário de Zurique, onde estou a fazer uma rotação no Serviço de Cirurgia Torácica como médica interna. Em Outubro (de 2023) mudarei para o Serviço de Cirurgia Geral e Transplantação, com o qual tenho um contrato de dois anos, portanto até final de Setembro de 2025. Em cada Serviço há um sistema rotativo de alocação dos internos em:  internamento, consulta, bloco e banco (o que inclui avaliação dos doentes da urgência e da sala de emergência, organização de transferências de outros hospitais e, durante o horário noturno, assistência em cirurgias, bem como a resolução de problemas do internamento).

 

Vista aérea do Hospital Universitário de Zurique.

 

 

Na Suíça o horário semanal de base dos médicos é de 48 horas, sendo que a média dos internos ronda as 54 horas laborais por semana, segundo dados de estatísticas recentes.

 

 

Quais são, na tua óptica, as principais diferenças e oportunidades em termos de carreira médica, comparando Suíça e Portugal?
Na Suíça o horário semanal de base dos médicos é de 48 horas, sendo que a média dos internos ronda as 54 horas laborais por semana, segundo dados de estatísticas recentes. Se fossem incluídos exclusivamente os internos de cirurgia, creio que o número subiria para 60. Já trabalhei mais de 100 horas numa semana e já fiquei 72 horas sem sair do hospital. Isto é uma realidade algo diferente da portuguesa. Ainda assim, as horas extra são remuneradas ou compensadas, algo que em Portugal infelizmente muito raramente acontece.
Na Suíça é difícil adquirir exposição no bloco, sobretudo nos primeiros anos de formação; sendo que isto varia de hospital para hospital, tal como em Portugal. Mostrar activamente interesse sem prejudicar colegas ajuda a aumentar as oportunidades, mas infelizmente ser estrangeiro/a não facilita, pelo menos numa fase inicial. Ainda assim, se o trabalho for persistentemente de qualidade, o reconhecimento e as oportunidades surgirão.
O apoio monetário do serviço para congressos e formações externas é algo reduzido, tendo em conta o seu custo, tal como em Portugal. Não obstante, aqui os internos têm a capacidade financeira de pagar estes cursos, caso queiram. Eu já gastei, ou melhor, investi uma parte muito significativa das minhas poupanças em formações, as quais fiz maioritariamente em dias livres ou de férias. Ainda assim, não me arrependo minimamente. É uma forma de adquirir conhecimentos teóricos, mas sobretudo práticos, enriquecendo simultaneamente o currículo e alargando a rede de contactos.
Um aspecto interessante da formação médica na Helvécia é que o processo de candidatura é feito por currículo, em qualquer fase da vida profissional, incluindo o internato. Há portanto menos paternalismo e muito mais liberdade para escolher onde se trabalha, supondo que se é aceite no local pretendido e que o empregador queira prolongar o contracto, sendo esse o nosso desejo. Talvez se possa argumentar que a formação seja menos uniformizada, mas os procedimentos obrigatórios e os exames continuam a ser os mesmos para todos. Ultimamente, creio que é um bom sistema.

Neste percurso tão interessante que descreves, houve alguns obstáculos ou momentos mais difíceis, que possas partilhar?
Claro que sim. É-nos transmitida a ilusão de que há vidas e carreiras perfeitas. Ora isto não poderia ser mais falso, dado que a imperfeição é intrínseca à natureza humana. Aliás, as pessoas mais bem sucedidas que conheço ultrapassaram grandes dificuldades de diferente natureza. No meu caso, posso afirmar que os anos da pandemia não foram fáceis. Por um lado, porque o ambiente nos hospitais não era o melhor, e por outro devido ao isolamento social num país estrangeiro. A adaptação em si também foi um processo algo demorado. Não posso dizer que a língua tenha sido um problema. Eu já era fluente em alemão quando cheguei, mas tive de aprender “alemão suíço” para conseguir comunicar eficazmente com alguns doentes. Além disso, ganhei uns pontos com os locais, sobretudo quando comecei a identificar os diferentes dialectos. O maior obstáculo residiu nas imensas diferenças culturais. O estilo de interação social na Suíça é muito diferente e é preciso algum tempo para aprender os variados códigos de conduta que todos esperam que saibamos à partida. Profissionalmente também tive fases em estava demasiado cansada e outras em que me senti frustrada por não estar a ter a evolução fenomenal que gostaria de ter. Nestes casos posso recomendar abordar as temáticas centrais de uma forma honesta e equilibrada com mentores/as de confiança. Os conselhos sábios de quem já passou por situações semelhantes são valiosíssimos e levam à resolução, ou pelo menos à melhoria, de grande parte dos problemas.

 

 

Um aspecto interessante da formação médica na Helvécia é que o processo de candidatura é feito por currículo, em qualquer fase da vida profissional, incluindo o internato. Há portanto menos paternalismo e muito mais liberdade para escolher onde se trabalha

 

 

Planeias regressar a Portugal?
Essa é claramente a questão que me é colocada mais frequentemente.
Para já pretendo ficar na Suíça. Terminado o internato e depois de uns anos como especialista aqui, gostaria de realizar um programa de “Fellowship“, sendo que ainda não decidi em que país o farei. Devo admitir que não excluo completamente a possibilidade de um dia trabalhar em Lisboa, mas para já isso não está nos meus planos.

De que sentes mais falta?
Da minha família e do mar.

Entrevista conduzia por Sofia Baptista

 

 

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