Perfil lipídico: jejum não é necessário

Por Vítor Cardoso, USF Gualtar  

 

Questão clínica: A avaliação do perfil lipídico deverá ser realizada em jejum?

Enquadramento: Embora as guidelines atuais recomendem que a determinação dos níveis lipídicos seja efetuada em jejum, estudos recentes sugerem que o perfil lipídico fora do jejum altera-se minimamente em resposta à ingestão de alimentos, podendo até ser superior na previsão de eventos cardiovasculares. O objetivo deste estudo foi investigar a associação entre o tempo de jejum e os níveis lipídicos.

Metodologia: Estudo transversal a partir de dados laboratoriais por um período de 6 meses do ano 2011, numa coorte de base comunitária. Foi estudada a duração do jejum (1h a >16 h) e os resultados do perfil lipídico (HDL, LDL, Colesterol total e Triglicerídeos). Através de modelos de regressão linear, controlando as idades dos participantes, procurou-se estimar os níveis médios de colesterol em diferentes subclasses de tempo de jejum.

Resultados: Foram incluídos no estudo 209180 indivíduos (50.09% mulheres). Houve pouca variação dos níveis médios de colesterol total e HDL entre indivíduos com diferentes intervalos de jejum. A média de LDL (calculada) apresentou variações ligeiramente maiores em até 10%, entre os grupos de pacientes com diferentes intervalos de jejum, e os níveis médios de triglicerídeos mostraram variações de até 20%.

Conclusão: Os autores concluíram que a associação entre o tempo de jejum e os níveis lipídicos era fraca, sugerindo que o jejum por rotina para a determinação dos níveis lipídicos seria desnecessário.

Comentário: As conclusões deste estudo revestem-se de um poder modificador da prática clínica e das recomendações atuais (p.ex. da NOC n.º 066/2011). O jejum pode ser visto como um inconveniente, desencorajando a adesão a programas de rastreio, especialmente em certos grupos, como nos diabéticos. A importância dos resultados deste trabalho está também intimamente relacionada com estudos anteriores que demonstraram existir uma forte relação preditiva entre o pico de triglicerídeos 4h após as refeições e os eventos cardiovasculares ou a resistência à insulina. Discute-se assim a implementação de testes de tolerância oral aos triglicerídeos. No entanto, vários aspectos devem ser tidos em conta: este estudo utilizou dados secundários sem aleatorização dificultando a generalização dos resultados. Adicionalmente, não foram adoptados outcomes orientados para o paciente, o número de horas de jejum foi indicado pelos participantes (pode introduzir viés de informação), indivíduos com triglicerídeos > 400 mg/dl foram excluídos e não tiveram em conta particularidades da população como patologias ou tratamentos farmacológicos em curso.

Artigo original  

 

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