Meta-análise: Ecocardiograma de esforço ou ECG de esforço no diagnóstico de doença coronária?

Por Célia Oliva, USF ALém d’Ouro

1. Enquadramento

A doença arterial coronária (DAC) é a principal causa de morbi-mortalidade mundial, permitindo o seu diagnóstico precoce ganhos em saúde. Embora a angiografia permaneça o exame gold standard para o diagnóstico de DAC, a prova de esforço possibilita, de forma menos invasiva e dispendiosa, a estratificação do risco antes da realização desta.

Apesar de contra-indicado o uso da prova de esforço com electrocardiograma (ECG) para diagnóstico ou exclusão de angina de peito em paciente sem DAC conhecida, são muitos os clínicos que o fazem com esse objectivo.

2. Considerações gerais acerca da Prova de Esforço

Contra-indicações

EAM nos 4-6 dias prévios

Angina instável com dor em repouso nas 48h prévias

IC descompensada

Miocardite ou pericardite agudas

Infecção sistémica aguda

TVP

HTA não controlada (sistólica>220mmHg ou diastólica>120mmHg)

Estenose aórtica grave

Cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva grave

Arritmia ameaçadora de vida

Aneurisma dissecante

Cirurgia aórtica recente

 

Critérios de Paragem Electrocardiográficos

Extra-sístoles ventriculares frequentes

Elevação de ST>1mm

Depressão do segmento ST>3 mm

Inicio de taquicardia ventricular

FA de novo ou taquicardia supraventricular

Desenvolvimento de bloqueio de ramo de novo

Progressão de bloqueio para 2º ou 3º grau

Falência cardíaca

 

Critérios de Paragem Clínicos

Fadiga excessiva

Dor pré-cordial severa, dispneia ou tonturas

Redução na pressão arterial sistólica >20mmHg

Aumento da pressão arterial sistólica >300mmHg ou diastólica >130mmHg


3. Objectivo

Revisão sistemática de todas as modalidades de prova de esforço relativamente à sua capacidade de diagnóstico de DAC.

a. ECG de Esforço com passadeira:

Utiliza-se o protocolo de Bruce ou protocolo modificado de Bruce, sendo considerado normal se o paciente conseguir atingir 85% da sua frequência cardíaca máxima (220-idade nos homens e 210-idade nas mulheres). ß-bloqueadores devem ser descontinuados no dia anterior ao exame e digitálicos devem ser descontinuados uma semana antes do exame uma vez que podem alterar a interpretação do ECG. O protocolo modificado é usado para doentes que tenham tido EAM na semana anterior e pacientes debilitados com pouca tolerância ao exercício físico.

b. Ecocardiograma de esforço com passadeira:

Avaliação dinâmica da função cardíaca em repouso e durante exercício, permitindo avaliar não só a presença de DAC mas também função valvular, pressão da artéria pulmonar e função global sistólica e diastólica. É também utilizado o protocolo de Bruce ou protocolo modificado de Bruce, sendo particularmente indicado em pacientes com ECG de repouso anormal. Hipocinesia isolada dos segmentos infero-basal ou septal não são considerados anormais. A isquemia é definida por agravamento ou aparecimento de novo de discinesia ventricular, com o exercício.

c. ECG de esforço com bicicleta:

Melhor tolerado em pacientes com patologias do foro ortopédico ou do equilíbrio. Existem vários protocolos para esta modalidade diagnóstica, mantendo-se o objectivo de atingir 85% da frequência cardíaca máxima.

d. Ecocardiograma de esforço com bicicleta:

Utilizado quando o ECG de repouso é anormal e existem co-morbilidades impeditivas do uso de passadeira. Pode ser realizada na posição vertical ou supina, com igual valor diagnóstico. Os dados são recolhidos antes, durante e depois do exercício, contrariamente ao que acontece na prova em passadeira na qual apenas são recolhidas imagens em repouso e após o exercício.

e.  Cintigrafia de perfusão miocárdica:

Utiliza-se stress farmacológico ou exercício físico (usualmente bicicleta). Os fármacos vasodilatadores podem ser adenosina ou dobutamina. Através deste exame é possível aferir a reversibilidade da isquemia e assim estratificar o risco da DAC.

4. Metodologia

Pesquisa de todos os artigos prospectivos de todas as modalidades usadas na prova de esforço e o seu valor no diagnóstico e exclusão de DAC em doentes sem DAC conhecida, com idade superior a 18 anos e sintomas sugestivos de DAC ou assintomáticos mas com factores de risco para DAC.

5. Resultados

A prevalência média de DAC foi de 58%, sendo a qualidade dos estudos obtidos modesta. Um teste positivo revelou-se mais informativo em doentes mais jovens.

De uma forma geral, o ecocardiograma teve melhor capacidade de diagnóstico ou exclusão de DAC do que o ECG, sendo que o ecocardiograma de esforço em bicicleta teve melhores resultados do que o ecocardiograma em passadeira.

– Numa população de baixo risco, um teste negativo tem 2% de falsos negativos; numa população de risco intermédio a probabilidade de falsos negativos é de 9%.

– Um teste positivo tem probabilidade de 40 a 50% de ser realmente positivo (valor preditivo positivo).

– Numa população de elevada prevalência um teste tem sensibilidade de 70% e especificidade de 85%.

6. Discussão

A acuidade diagnóstica das provas de esforço varia em função do tipo de população (idade, sexo, características clínicas), prevalência de DAC e modalidade de teste utilizado.

A prova de esforço mostra maior utilidade em populações de prevalências baixa e intermédia.

A prova de esforço, quando positiva, tem maior poder discriminativo em pacientes jovens e do sexo masculino.

Um teste positivo é mais útil do ponto de vista clínico se for a modalidade de ecocardiograma com bicicleta, no diagnóstico de DAC.

A prova de esforço mostra mais utilidade na confirmação de DAC do que na sua exclusão.

Assim, numa população com prevalência de DAC elevada ou intermédia, o valor da prova de esforço é reduzido porque muda muito pouco a probabilidade pós-teste (como é o caso do nosso país) e perante uma prova negativa permanecem as duvidas quanto à necessidade de realizar angiografia.

De ressalvar, enquanto limitação do estudo, que os resultados apresentados não tiveram em conta o custo-efectividade dos diferentes exames, bem como a preferência do clinico ou do doente – ecocardiograma de esforço com bicicleta e cintigrafia de perfusão são os que implicam mais recursos técnicos e financeiros. Outros factores implicados na escolha da modalidade como território da isquemia, fracção de ejecção e características do doente (peso, capacidade funcional) também não foram considerados nesta meta-análise.

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