Não foram os médicos!

 

 

“A saúde do meu Doente será a minha primeira preocupação.”

 

Aos utentes do SNS,

Escrevo-vos hoje com o coração desfeito, depois de meses a ler e ouvir a vossa opinião a respeito dos médicos e outros profissionais de saúde. Escrevo a todos vocês que tanto têm insistido que nos esquecemos do juramento que fizemos. Que não queremos trabalhar, que temos medo ou somos cobardes, que não vos queremos ver…

Não. Não foram os médicos – pelo menos aqueles que vos consultam – que decidiram que as consultas deviam ser adiadas ou alteradas para consultas por telefone. Sejamos racionais, o objetivo é proteger o utente, evitar agregados de pessoas nos serviços de saúde. Porque se estar num espaço fechado é, neste momento, uma situação de risco, se o espaço fechado for um serviço de saúde, o risco será ainda maior. Quem dera à maioria dos médicos que as consultas se tivessem mantido todas presenciais, porque nada substitui ver e examinar o utente. Será raro o médico que concorda com esta medicina (será raro o médico que acha que isto é medicina), mas a decisão não esteve nas nossas mãos.

Não foram os médicos que decidiram que vocês devem estar em filas de espera com o sol ou os pingos de chuva na cabeça. Não foram os médicos que decidiram que o primeiro contacto do doente com os cuidados de saúde primários é realizado por telefone. E não, se não atendem o telefone, é porque não podem e não porque não querem. Como esperam que se consiga dar resposta se as linhas telefónicas são escassas e partilhadas entre utentes e profissionais? Um centro de saúde não é um call center, por mais esforço que se faça. Vamos lá fazer contas: se uma unidade tem, suponhamos, 10.000 utentes (vamos fingir que são tão poucos) e, desses, 1% está a tentar um contacto telefónico, como se espera que 2 telefones assegurem resposta a 100 doentes? E esses mesmos telefones são aqueles que os profissionais de saúde utilizam para comunicar entre si. Acrescento também que o telefone que a maioria dos médicos usa para fazer as consultas é o telefone particular. Desengane-se quem acha que foi cedido algum telefone para o médico fazer isto.

Não foram os médicos que decidiram absolutamente nada. E não, os médicos não se esqueceram que existem outras doenças que não a COVID-19.

Os médicos não estão parados nem acobardados.

Os médicos estão a trabalhar no limite das suas capacidades físicas e mentais. E estão a fazê-lo em condições que há muito ultrapassaram o aceitável. Porque, não vamos esquecer, o SNS encontra-se há muito sem recursos e os profissionais de saúde estão constantemente a chamar a atenção para este facto. E agora, mediante uma pandemia, esperava-se o quê? Não há milagres. Os recursos não chegam para tudo.  Por isso, sim, os cuidados aos doentes não-COVID estão comprometidos. Ninguém o nega.

Nunca se fez tanto com tão pouco. Fazemos consultas por telefone, vemos exames e orientamos os doentes, fazemos trabalho administrativo, renovamos medicações, fazemos consultas presenciais (não, elas nunca deixaram de existir), fazemos triagem, Trace COVID-19 (acompanhamento de utentes em vigilância COVID), trabalhamos em áreas dedicadas a COVID e, espantem-se, vamos a lares.

Tal como vocês, não estamos agradados com a realidade que se vive hoje em dia. Mas continuamos, porque foi isso que jurámos.

Por Cláudia Esteves Bessa

 

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