O Bom, o Mau e o Covid

 

 

Não sabemos bem em que parte do filme estamos. Já assistimos ao início, assustados, expectantes. As cenas de ação parecem já ter acontecido (esperamos todos), mas o “viveram felizes para sempre” teima em ser projetado. Não sabemos sequer se o filme vai ter fim, se nos espera alguma sequela ou sequelas. Depois do susto inicial, noto que parte da plateia mais jovem esta mais desleixada, despreocupada e arrisco-me a dizer, negligente para com os outros espectadores de risco.

Desconhecemos também o impacto que este filme teve e está a ter nos espectadores. Provavelmente só saberemos mais tarde, com o progressivo desenrolar do argumento e o pano cair.

No entanto, não sei se é da chegada do verão, mas o “cheiro a fim do mundo” que vinha marcando as alvoradas, esbateu-se. Os dias têm mais luz. Aquela sensação de “isto é um sonho/pesadelo” que marcava o meu acordar, desapareceu.

De bom, fica a resposta excelente já esperada por parte do SNS e de quem nele trabalha. Fica o empenho e a organização das equipas de saúde para fazer mais e melhor, dentro ou fora do seu horário de trabalho, de casa ou do serviço, do telefone pessoal ou do da USF, muitas vezes com prejuízo pessoal e dos seus. Ao contrário da opinião de alguns decisores, esta resposta não me surpreende. O SNS não se “reinventou”. Os profissionais não se “transfiguraram”. O SNS já existia, já estava cá, já estava vivo. Já era financiado muitas vezes, apenas e só, com uma salva de palmas. Percebo que esta qualidade do SNS fosse do desconhecimento de alguns, mas também para esses a pandemia serviu para demonstrar onde está a verdadeira força na prestação de cuidados de saúde em Portugal. De mau, fica a incerteza sobre tudo. Se tivesse que escolher a palavra que mais me consome nesta pandemia, seria certamente a “incerteza”. Sintomáticos com teste negativo, assintomáticos com teste positivo, idosos positivos sem sintomas, jovens de 40 anos 18 dias ligados à ECMO, positivos que nunca mais “despositivam”, expostos que nunca positivaram, desconhecimento sobre a imunidade… Esta incerteza consome, tal como consumiu a desorientação inicial da cadeia de comando. Ordens que demoravam a sair, orientações pouco claras e por vezes contraditórias. Sentimos mais cansaço antes de entrar em ação do que propriamente no trabalho diário. O vilão? Esse continua a assombrar-nos, não sabemos quando acaba o filme ou se acaba… parece prometer sequela(s). Não podemos baixar os braços. Não podemos ser negligentes. Cada vez mais deve estar na memória de todos o sacrifício por que passámos. Não pode ter sido em vão. Estamos mais preparados, com mais conhecimentos, será mais fácil reativar os circuitos no caso dessa sequela causar tanto ou mais impacto que o primeiro filme, mas os recursos humanos e materiais não são infinitos. Convém relembrar que há outros vilões que se mantêm activos. O cancro, o AVC, o enfarte, a patologia Psiquiátrica também são bons protagonistas de filmes de ação. Devemos tê-los sempre presentes na memória e evitar a todo o custo que ganhem o Óscar.

Por Bruno Moreno

 

MaisOpinião - Bruno MorenoMaisOpinião +
Menu