Onde anda a “Troika” na Saúde? Exige-se seriedade na Reforma da Saúde

Acabou a quarta avaliação da Troika, tendo-se ficado a saber pela voz do Primeiro Ministro que «o ritmo das reformas estruturais que tem também vindo a ser implementado foi elogiado pela própria ‘troika’».

O que sabemos de concreto, na área da saúde, é que há evidências de que o actual Governo está atrasadíssimo, em muitos e muitos meses, na aplicação de várias “medidas” inscritas e reinscritas no memorando da Troika.

Vejamos alguns exemplos:

1.Seleção transparente dos dirigentes hospitalares e dos ACES (Medida 3.74): nada foi feito, ou melhor, enganou-se a Troika, informando-a que entrou em vigor o DL nº8/2012, o qual introduziu alterações às regras de recrutamento e selecção de gestores públicos. Na prática, as nomeações (alguns exemplos, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Hospital da Guarda, Aveiro, futuros Directores Executivos dos ACES da Região Centro e Norte do país, etc) utilizaram os critérios eminentemente de confiança política. Continuamos assim, a ter um inimigo tremendo, muito enraizado e conhecido dos portugueses, chamado clientelismo.

Não é de agora, já Ramalho Ortigão, em Novembro de 1881, zurzia em “As Farpas”, os que se andavam a “amamentar, a expensas do reino, pela vaquinha de leite da pública governação”. O que quer dizer que Portugal tem tradição e ‘know-how’ em matéria de distribuição e apanha de tachos. Em democracia, não tardou a comezaina. Cada partido que foi chegando ao poder – na estrita rotação trifásica entre PS, PSD e CDS – atafulhou os quadros do Estado com a respetiva rapaziada. Muitos devem ainda lá estar e talvez nem se recordem já quem os nomeou: se o partido a que pertenciam, se aquele a que passaram a pertencer.

2. PPP (Medida 3.18): para quando a “Avaliação das PPP” em Saúde? Só quatro hospitais PPP absorveram 2.200 milhões de Euros ao OE. Nos primeiros quatro meses do ano de 2012, os encargos com o Hospital de Loures, Braga e Vila Franca de Xira, todos PPP, aumentaram 28,7%. Em contrapartida, no mesmo período, os custos com o pessoal de todas as unidades do SNS, ostentaram uma diminuição mais de 16 milhões de Euros (menos 5,7%).

3. Reforma hospitalar (Medidas 3.75, 3.76, 3.77 e 3.78): publicação de um despacho ministerial, réplica de um documento do grupo da reforma hospitalar e de um estudo da Entidade Reguladora da Saúde (Carta Hospitalar), preparado de forma simplista, sem o devido envolvimento das ordens e sindicatos profissionais, resultando num despacho com medidas avulsas, sem qualquer tipo de articulação entre si e muito menos uma estratégia articulada entre as diversas redes, nomeadamente a rede de urgência, incluindo as respostas pré-agudas e pós-agudas, a rede de CSP e a rede dos Cuidados Continuados Integrados.

Mais, publicar um despacho sobre reforma hospitalar sem discutir e redefinir a política de financiamento global dos hospitais, além de redefinir a política de incentivos aos profissionais de saúde, cria um verdadeiro vazio estratégico que só pode ser aproveitado para “esvaziar” o hospital público e os pequenos consultórios médicos convencionados, em detrimento da iniciativa privada, criando-se assim, a tão desejada concorrência imperfeita, onde um pequeno número, não mais de três empresas, domina o mercado privado de saúde, influência os preços e retira o máximo de dividendos dos bolsos dos clientes.

Pois é, para alguns a crise abre portas. O José de Mello Saúde, primeiro operador privado em Portugal, facturou 401 Milhões de Euros em 2011, mais 12,4% face ao ano anterior.

4. Reforma dos CSP sem rumo (Medida 3.70): um ano de Governo PSD/PP, resultou em 15 novas USF, num total de 326 em actividade. Muito pouco para quem assinou o memorando da Troika e a medida 3.70. Este número, é bastante elucidativo do chumbo que este Governo quer causar à “marca” da reforma dos CSP. O desempenho medíocre não se fica pelas USF. Vejamos sumariamente o resto da reforma:

-Contratualização: não cumpridos os prazos previsto. Estamos em Junho de 2012 e ainda não há relatórios dos DC das ARS relativos ao ano de 2011, não permitindo o pagamento dos incentivos financeiros e a aplicação dos incentivos institucionais. Mesmos indicadores desde o início do processo com total incapacidade da ACSS e do MS de negociar com os parceiros sociais novos indicadores.

-Processo de Acreditação das USF: ainda não abriu concurso para novas USF entrarem no processo de acreditação, estando ainda só 5 USF acreditadas!

-ACeS: desde há um ano em completa gestão corrente com conflitualidade orgânico-funcional entre os Directores Executivos e os membros do CD das ARS, cozinhando-se uma “mega” operação de concentração de ACES nas ARS de LVT e do Centro com ACES a atingirem os 400 a 500 mil utentes, apesar de todos os interveniente, nomeadamente o Vice-Presidente da ARS de LVT, conhecerem o estudo da APES que evidencia uma diminuição do custo médio por utente inscrito quando se aumenta a escala de actividade até cerca de 50.000 utentes. A partir dessa escala os ganhos esgotam-se.

A marca desta reforma com a criação de USF que provam diariamente que são uma marca portuguesa de valor acrescentado, que já se está a internacionalizar, passou por definir consensualmente todo um modelo sobre o qual “não se fazem concessões”.

Os profissionais que abraçaram, convicta e entusiasticamente esta Reforma, acabaram de demonstrar na Capital Europeia da Cultura, Guimarães, berço de Portugal, no 4º Encontro Nacional de USF, que estão preparados para defender das garras de quem mostra sinais de querer aniquilar os princípios enformadores desta inovadora reforma de conteúdos e de comportamentos.

João RodriguesMais OpiniãoMaisOpinião - João Rodrigues
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