O Pentagrama

 

“Com ordem e com tempo encontra-se o segredo de fazer tudo e tudo fazer bem.”

Pitágoras

 

No nº de 21 de junho do Jornal Médico, foi dado o mote para o que pode vir a ser uma boa (no sentido de profícua) controvérsia sobre indicadores de desempenho dos CSP. Em causa o indicador 65, que limita o número desejável de fármacos a doentes com idade superior a 75 anos. Lúcia Torres e Joana Neiva chamam a atenção, e com carradas de razão, quão fácil é superar esta barreira em doentes de patologias frequentes e nem por isso complexas, se recorrermos às boas práticas da terapêutica. Que é como quem diz: só renunciando ao estrado da arte e às NOC da DGS seria possível cumprir na íntegra este indicador. Por outro lado, o veterano Rui Cernadas recorda os inconvenientes da polimedicação: interacções medicamentosas, fármacos de duvidoso benefício, sobrecarga financeira para os utentes, os riscos de confusão inerentes às tabelas terapêuticas longas, etc.. E também com carradas de razão.

 Mas as divergências entre esta tese e antítese parece-me facilmente superável à luz da dialética hegeliana. A primeira via seria subir a fasquia do indicador, imaginando um caso de múltiplas patologias. Suponhamos um diabético, hipertenso, padecendo de DC, com HPB, coxartrose e Parkinson. Julgo que todos concordarão que dúzia e meia de fármacos não seriam demais, segundo o estado da arte, para controlar este doente e que o ajuntamento de tantas maleitas num mesmo paciente não é fantasia. Mas a tentação de subir o indicador para a quinzena não seria a melhor solução, como é fácil de entender. Se se pretende identificar doentes excessivamente medicados um teto tão alto baixa demasiado a sensibilidade. Um doente medicado desnecessariamente com cinco fármacos nunca seria identificado por um indicador tão dilatado. Por outro lado, um número limite muito baixo perde a especificidade ao assinalar como exagerada a prescrição de numerosos doentes rigorosamente tratados dentro das boas normas farmacológicas.

Tentemos outra via. Admitir um limite de fármacos e, conjuntamente,uma percentagem de população alvo que o possa ultrapassar, parece ser a forma menos má de identificar os excessos de polimedicação sem cair no ridículo de “trazer na rede” doentes com elevado número de fármacos correctamente prescritos. Assim sendo, o que se pretende é não ter mais de X de idosos com Y anos ou mais, medicados com mais de Z fármacos. Desconheço as razões da escolha do pitagórico número cinco, mas se a rejeição do indicador se basear neste digito, arranje-se outro mais apelativo: sete do menorath, ou o oito ao gosto oriental.

O repúdio do CRN da OM, em relação a este item pareceu-me um tanto descabido. Começa por errar no nº limite de fármacos aceite pelo indicador (são quatro e não cinco). Depois temos as costumeiras acusações de “economicismo” -termo cujo abuso já esvaziou de qualquer significado com préstimo – e os lugares comuns que não dignificam a OM. Demagogia e pouco mais. Pena é que a OM alinhe no bota abaixo e no “popularmente correto”. Será que estes colegas nunca se depararam com doentes com mais de noventa anos, acamados, medicados com hipolipidemiantes de última geração, associações de anti-hipertensores sofisticados, (apesar de terem TAS de dois dígitos) e antidepressivos totalmente desadequados e nootrópicos.

Se a OM quiser zurzir os autores do BI dos indicadores para contratualização, tem muito por onde pegar e …  com carradas de razão. Vejamos os relativos à diabetes. No meio de toda aquela solenidade bolteana define-se como universo a avaliar o “diagnóstico de diabetes” e não, “diabeticos com compromisso de vigilância” na unidade de saúde. Quer dizer: passa a ser responsabilizados os CSP por aquilo que não pode ser responsabilizados: pelos cuidados prestados a diabéticos tratados noutras instituições, ou que recusam tratamento! Um expediente manhoso para distorcer a avalição.

Acácio Gouveia, aamgouveia55@gmail.com

(artigo publicado em simultâneo no MGFamiliar e no Jornal Médico)

MaisOpinião - Acácio Gouveia
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