Qual o risco de AVC após um AIT?





Pergunta clínica: Qual o risco de um novo acidente vascular cerebral (AVC) após um acidente isquémico transitório (AIT) ou um AVC minor?

Enquadramento: O AVC define-se como um défice neurológico focal (perda de função afectando uma região específica do sistema nervoso central) por disrupção da circulação sanguínea. O AIT é um défice neurológico súbito causado por interrupção da circulação sanguínea cerebral ou da retina, sendo que todos os sintomas regridem dentro de 24 horas. No AIT a aplicação do score ABD2 permite estratificar o risco de AVC e abrange o intervalo de 0 [risco mínimo] até 7 [risco máximo]. O score calcula-se tendo em conta a idade (> 60 anos; 1 ponto; pressão arterial ≥ 140/90 mmHg na admissão (1 ponto); alteração da linguagem sem (1 ponto); com hemiparesia (2 pontos) ; duração dos sintomas (se ≥60 min 2 pontos  ou se 10-59 minutos 1 ponto ) e presença de diabetes (1 ponto). Estudos prévios, realizados entre 1997 e 2003, estimam que o risco da ocorrência de um novo AVC durante os primeiros três meses após um AIT ou um AVC minor é de 12 a 20%.

Desenho do estudo: O projeto TIAregistry.org consiste num estudo internacional que foi desenvolvido com o intuito de descrever o perfil, fatores etiológicos e prognóstico de doentes que sofreram um AIT/AVC minor e que foram tratados precocemente em sistemas de saúde que oferecem avaliação urgente por equipas especializadas no tratamento de eventos cerebrovasculares. Foram recrutados doentes que tiveram um AIT/AVC minor nos 7 dias anteriores à data do início do estudo. Selecionaram-se instituições de saúde que possuíam uma unidade de atendimento urgente destinada à avaliação dos doentes com eventos cerebrovasculares. Foi estimado o risco, ao fim de um ano, da ocorrência de um novo AVC e do outcome combinado de AVC, síndrome coronário agudo ou morte por causa cardiovascular. Os autores examinaram ainda a associação entre o score ABCD2, os achados da imagiologia cerebral e a causa do AIT/AVC minor, com o risco de recorrência de AVC no ano seguinte. Entre 2009 a 2011 foram selecionados 4789 doentes em 61 instituições de 21 países. 78.4% dos doentes foram avaliados por especialistas na área de AVC nas primeiras 24h do início dos sintomas.

Resultados: 33.4% dos doentes sofreram um enfarte cerebral agudo, 23.2% tinham pelo menos uma estenose intra ou extracraniana igual ou superior a 50% e 10.4% tinham fibrilhação auricular (FA). Segundo a análise estatística pelo teste Kaplan-Meier o risco estimado, ao fim de um ano, do outcome combinado foi de 6.2% (intervalo de confiança a 95% 5.5-7.0). A taxa de ocorrência de AVC nos dias 2, 7, 30, 90 e 365 após o primeiro evento foi, respetivamente, de 1.5%, 2.1%, 2.8%, 3.7% e 5.1%. Na análise multivariada, a presença de múltiplos enfartes nos estudos de imagem cerebral, de aterosclerose de grandes vasos e de uma pontuação de 6 ou 7 no score ABCD 2 associaram-se, cada um, a um risco de mais do dobro de ocorrência de novo AVC.

Conclusões: Foi observado um risco de ocorrência de eventos cardiovasculares após um AIT menor do que em estudos prévios. O score ABCD2, os achados nos exames de imagem cerebral e a identificação de aterosclerose de grandes vasos ajudaram a estratificar o risco de recorrência de AVC no ano após um AIT/AVC minor.

Comentário: O estudo TIAregistry.org não foi o primeiro a demonstrar que a taxa de recorrência de AVC após um AIT/AVC minor é menor em situações que são tratadas precocemente em unidades especializadas na avaliação urgente de eventos cerebrovasculares. Desta forma, é possível uma atuação mais rápida no tratamento agudo, assim como a implementação precoce de estratégias de prevenção secundária. Torna-se fundamental a articulação destes sistemas de saúde com os cuidados de saúde primários, de modo a que as medidas de controlo dos fatores de risco sejam vigiadas e acompanhadas, para que se previna eficazmente a recorrência deste tipo de eventos.

Artigo original:NEJM

Por Inês Pintalhão, USF Garcia de Orta 






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