Rastreio do cancro do pulmão: implicações na prática clínica



Pergunta Clínica: Qual o impacto nos fumadores e ex-fumadores do rastreio do cancro dos pulmões, através da realização anual de tomografia computadorizada de baixa dose (TCBD)?

Enquadramento: Em dezembro de 2013, a United States Preventive Service Force (USPSTF) recomendou o rastreio do cancro do pulmão através da realização anual de TCBD em fumadores e ex-fumadores, força de recomendação B. Desde então tem havido muita polémica relativamente ao real impacto de tal prática.

Desenho do Estudo: Estudo observacional retrospetivo que analisou os registos eletrónicos dos utente a quem foi pedida TCBD num hospital central, entre 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2014. Como critérios de inclusão definiram: TCBD pedida no âmbito do rastreio do cancro do pulmão, utente com idade compreendida entre 55 e 79 anos, antecedentes de tabagismo com UMA ≥ 30 e fumador ativo há menos de 15 anos. Os investigadores avaliaram ainda qual o médico requisitor (de cuidados de saúde primários ou cuidados de saúde secundários), os achados encontrados e o pedido de exame auxiliar de diagnóstico adicional. Os nódulos pulmonares foram codificados segundo as recomendações da Fleischmer Society, 0 (sem nódulos), 1 (nódulo ≤ 4 mm), 2 (nódulo ]4;6] mm), 3 (nódulo ]6;8] mm) e 4 (nódulos com > 8mm). Para além dos nódulos, os outros achados foram classificados em insignificantes, achados radiológicos significativos e enfisema. O teste estatístico utilizado foi o teste X2, com um nível de significância de p < 0,5.

Resultados: No período em análise foram pedidas 94 TCBD no âmbito do rastreio do cancro do pulmão, sendo que 21 (22,3%) não cumpriam os critérios de elegibilidade estipulados pela USPSTF. 73,6% foram pedidas no âmbito dos cuidados de saúde primários e em 65,3% foram detetados nódulos pulmonares. Em cerca de metade das TCBD com nódulos classificados com 0 ou 1 foi pedido um exame auxiliar de diagnóstico adicional, embora não houvessem critérios para tal, de acordo com a classificação da Fleischmer Society.

Comentário: Neste estudo baseado em dados do mundo real, 1 em cada 5 pacientes que realizaram o rastreio não preenchia os critérios específicos recomendados pela USPSTF, ou seja, não tinha critério para ser rastreado. Além disso, o rastreio inicial conduziu a uma prescrição de exames subsequentes em mais de 40% dos pacientes rastreados. Este artigo é um bom exemplo da importância de não nos limitarmos a praticar uma medicina baseada em guidelines, mas sim aplicá-las de forma crítica e individualizada, com base nas características do utente e comorbilidades. E constitui também um exemplo de como um programa de rastreio contribui para o aumento de sobrediagnóstico e da identificação de incidentalomas. 

Artigo original:J Am Board Fam Med

Por Teresa Bastos, UCSP Sul



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