Relatório do FMI: O SNS é sustentável e as USF são prova disso mesmo!

Analisando o capítulo VII, do relatório do FMI com o título: “Rethinking the State – Selected Expenditure reform options”, referente ao sector Saúde, encontramos algumas incoerências, dados errados e conclusões infundadas. Vejamos duas questões estruturais:

1. Despesa total em saúde: o FMI diz que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem ainda de encolher mais 2% sob pena de tornar-se “insustentável”. Todavia, o documento não revela como chega a esta conclusão e apresenta como fonte um estudo de 2008, que prevê apenas uma poupança de 1% até 2017. Seria bom, recordar que nos últimos quatro anos, o Ministério da Saúde já reduziu a despesa no sector de 7% para 5,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Mais, se olharmos para os últimos dados da OCDE, constatamos que na despesa total em saúde, Portugal é o 2º país com menor crescimento no período 2000 a 2009 (1,5% para uma média dos países da OCDE de 4%) e a despesa pública em saúde é de 6,3% do PIB, sendo a média da OCDE de 6,6% do PIB.

2.Salários dos médicos portugueses: diz o FMI que são superiores aos dos alemães, italianos e noruegueses.

Em 2012, a remuneração ilíquida base média dos médicos foi de 2.939 € por mês, e o ganho médio, que inclui todas as outras remunerações acessórias, incluindo horas extraordinárias, subsídio de refeição, etc. foi de 3.803 €, ou seja, apenas mais 22,7% que a remuneração base e não os 33% que o FMI refere em relação às horas extraordinárias.

Porém, o salário médio dos médicos alemães varia entre os 3700 e os 7000 euros.

Na nova tabela salarial (2013), para os novos horários de 40 horas que visa a redução ao recurso a horas extraordinárias, os médicos especialistas recebem entre 2743 euros ilíquidos no início de carreira e 5063 euros no topo da carreira. De salientar, que sobre os salários dos médicos incidem ainda um corte de 5% a 10% aplicado desde 2011.

Até prova em contrário, estes números do FMI são totalmente disparatados.

A polémica acerca do relatório que o FMI acabou de tornar público sobre Repensar o Estado, está a provar algo que é duro reconhecer: aparentemente, todos acham que o Estado está bem dimensionado, que não há nada a mudar, tudo corre pelo melhor.

Não, eu não acho, bem pelo contrário, acho que a modernização e a eficácia do SNS são possíveis e desejáveis. Urge, replicar os princípios da reforma dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), nomeadamente da Marca, Unidade de Saúde Familiar (USF), como uma marca com identidade portuguesa de sucesso, demonstrando ser possível conciliar três objectivos transversais: desempenho, eficiência e bem-estar pessoal.

Mais, as USF tem demonstrado que é possível, com uma gestão de proximidade, responsável e participada, conciliar acesso universal das famílias a uma equipa de Saúde Familiar com acessibilidade organizada, qualidade, eficácia e satisfação dos utilizadores e dos profissionais.

O FMI apontou soluções, que são dolorosas, mas que temos de discutir colectivamente, pois a situação actual não é viável.

Todos, aparentemente concordamos com a primeira proposta do FMI, “As reformas deverão ser direccionadas para as áreas-chave das ineficiências, assegurando contudo padrões elevados de serviços e de acesso equitativo”.

Mais, também concordamos, que se deve limitar o recurso rotineiro a horas extraordinárias, não só com os médicos, como diz erradamente o FMI, mas com todos os profissionais da saúde, como foi feito para as USF de modelo B, que tem um sistema retributivo que não permite o recurso a horas extraordinárias até 15 dias de ausências de qualquer profissional. Acima dos 15 dias essa possibilidade existe mas contratualizada com uma carteira de serviços e de metas a cumprir!

Será utopia, generalizar este princípio aos Hospitais? Depende do Governo, dos gestores e não do FMI.

Outras medidas consensuais, apontadas desde longa data por todos os governos, “reduzir a dependência em serviços hospitalares em detrimento dos cuidados de proximidade, CSP e Cuidados Continuados” e “reduzir a dependência de cuidados dispendiosos de urgência hospitalares para situações não urgente nos CSP”, mas que infelizmente, nenhum Governo, nenhuma ARS, cumpre. Bem pelo contrário, a aposta, do Ex. Governo e deste Governo, é no modelo hospitalocêntrico, agora travestido de Unidades Locais de Saúde (ULS), onde tudo anda à volta do edifício hospital. Por isso, não admira que as ARS acabem com os prolongamentos de horários das USF e das UCSP para além das 20 horas, assim como, aos sábados e optem por concentrar a resposta às situações agudas nos Hospitais ou similares.

Para finalizar, imagine-se uma das propostas do FMI, que é que se deve agir contra a fragmentação do SNS, acabando com os subsistemas, como por exemplo a ADSE. Por mim, essa medida estruturante, já tinha terminado em Abril de 1974.

Pede-se coragem, dialogo e bom senso para de facto fazer algo de muito relevante para o país, melhorando o SNS, no sentido da sustentabilidade e exigência, mantendo-o socialmente justo e solidário.

João Rodrigues, Coordenador da USF Serra da Lousã

smzcjnr@gmail.com

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