Rui Morais @ Lyon

 

Algo que me surpreendeu pela positiva foi que todos os médicos tinham um dia dedicado apenas à realização de investigação clínica. Em França, os hospitais e serviços têm uma remuneração financeira significativa por parte do Estado por cada artigo publicado em revistas indexadas.

 

Ouvimos dizer que estiveste recentemente em Lyon durante um mês, mas não foste em férias…
Olá a todos! De facto, estive durante o mês de Setembro em Lyon a fazer um estágio no Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Edouard Herriot, com o Professor Mathieu Pioche. Este serviço tem uma diferenciação particular na área de resseção endoscópica de lesões colorretais, especialmente pela técnica de disseção endoscópica da submucosa. Esta técnica é já o standard of care para o tratamento de lesões gástricas e esofágicas precoces em Portugal, mas ainda há muito debate e pouca experiência no nosso país sobre o seu uso nas lesões colorretais, principalmente por ser um técnica que, apesar de altamente eficaz, tem alguns riscos associados, é demorada e obriga a muitos anos de treino para a sua realização. Este serviço cresceu muito nos últimos anos nesta área em particular, porque desenvolveu múltiplos dispositivos e técnicas que tornam a disseção endoscópica da submucosa em lesões colorretais muito mais rápida, segura e eficaz. O estágio teve um componente maioritariamente observacional, normalmente assistia aos procedimentos desde as 08:00 até às 15:00 horas. Tive também oportunidade de realizar alguns procedimentos em modelo animal no laboratório que o serviço possui dedicado ao treino e formação nesta área.
Sendo Lyon a capital da gastronomia escusado será dizer que o estágio também incluiu obviamente um componente cultural e gastronómico importante, com umas mini-férias associadas.

Como surgiu essa oportunidade de fazer o fellowship?
Em 2019, durante o meu internato, já tinha realizado previamente um estágio com duração de 3 meses na área de disseção endoscópica da submucosa no Japão (local onde esta técnica foi inventada). Tal como disse previamente, é uma técnica que obriga à observação de muitos procedimentos e muitos anos de treino para a sua correta execução. Estando há 2 anos dedicado a esta área no meu serviço, sempre foi um objetivo para mim fazer um novo estágio que me permitisse adquirir conhecimentos adicionais e evoluir na sua realização. Tendo em conta que em Portugal a realização desta técnica em lesões colorretais não está disseminada e tendo visto as publicações e apresentações em congressos internacionais do grupo do Professor Pioche, considerei que seria sem dúvida um sítio a ponderar uma vez que me permitiria trazer “novidades” que acima de tudo nos permitiriam aumentar o armamentário e as opções terapêuticas para os nossos doentes. Do ponto de vista logístico, obrigou a alguma preparação com antecedência. Comecei por enviar email diretamente ao Professor Pioche – que o autorizou – e depois, felizmente, tive autorização e apoio quer do meu diretor de serviço, quer do meu hospital para poder realizar este estágio.

Como gastrenterologista, o que trazes a mais na bagagem de regresso?
Começando pelo óbvio, tive oportunidade de aprender e observar técnicas endoscópicas que, na minha opinião, vão permitir melhorar a eficácia e segurança da resseção endoscópica de lesões colorretais. Por outro lado, sendo este um centro com forte aposta na investigação clínica, permitiu estabelecer uma ponte para a realização e participação em futuros estudos multicêntricos nesta área. Finalmente, e talvez mais importante, a realização deste tipo de estágios com experts em centros de renome internacional permite na minha opinião crescer e evoluir naquilo que cada vez mais se fala e que tem grande importância que são os non-technical skills. Muitas vezes, mais importante que a execução de determinado procedimento/cirurgia é todo o contexto prévio até à realização do mesmo, nomeadamente, discutir e avaliar a indicação do procedimento, delinear uma estratégia terapêutica, a comunicação e interação com equipa, abordagem perante as dificuldades inerentes ao mesmo ou perante a ocorrência de complicações. Tudo isso penso que contribuiu bastante para a minha evolução como gastrenterologista.

Apesar de a tua permanência em Lyon ter sido relativamente curta, algo particular que destaques no sistema de saúde francês que te tenha surpreendido?
Apesar do tempo reduzido, algumas coisas surpreenderam-me no sistema de saúde francês. Primeiro, pelo que pude observar, existe exclusividade público-privada, sendo que em França está a verificar-se muito aquilo que verificamos também no nosso país, com um êxodo significativo de profissionais de saúde para os hospitais privados. A minha visão está obviamente enviesada por ter estado num centro académico de referência, mas algo que me surpreendeu pela positiva foi que todos os médicos tinham um dia dedicado apenas à realização de investigação clínica. Em França, os hospitais e serviços têm uma remuneração financeira significativa por parte do Estado por cada artigo publicado em revistas indexadas. Isso é feito de forma a incentivar a realização de investigação e desde que isso foi instituído o impacto foi muito importante.
Finalmente gostaria de salientar algo diferente, mas que sem dúvida penso que poderíamos adaptar no nosso país que diz respeito à interação entre os Cuidados de Saúde Primários e Terciários. Por exemplo, quando o médico de família referencia um doente para o hospital para remoção endoscópica de uma lesão colorretal, o gastrenterologista depois de remover a lesão escreve uma carta ao médico de família a agradecer a referenciação, a explicar tudo o que foi feito, resultado histológico e o plano que está definido para a posteriori. O médico de família tem acesso diretamente no sistema informático a esta carta enviada pelo colega. Penso que este tipo de interação mais direta seria sem dúvida útil e proveitosa para todos nós.

Vale a pena visitar Lyon? Que dicas de viagem nos podes deixar?
Vale sem dúvida a pena visitar Lyon, é uma cidade muito bonita atravessada por dois rios, com uma parte mais moderna, mas também com uma parte histórica e mais artística (Velha Lyon e Croix-Rousse, respetivamente). Lyon é a capital mundial de gastronomia, com uma lista infindável de restaurantes, sejam eles típicos (conhecidos como “bouchons”), internacionais ou alta gastronomia, que valem muito a pena, sem dúvida. Não sendo mesmo em Lyon, mas não posso deixar de recomendar, relativamente perto existe uma cidade rodeada pelos Alpes chamada Annecy que é conhecida como a “Veneza de França” que vale a pena visitar.

Por Sofia Baptista

 

 

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