Esperar para ver

Por Ana Sara Machado, USF Freamunde


Pergunta clínica: O princípio do tempo-eficiência (esperar para ver a evolução clínica e só depois decidir se é necessário investigar) aumenta a certeza diagnóstica de uma determinada doença em contextos de baixa prevalência? Qual é a aplicabilidade do princípio tempo-eficiência em cuidados de saúde primários?

Enquadramento: Os avanços tecnológicos na medicina permitem oferecer ao paciente um vasto leque de testes diagnósticos no seguimento da sua doença. No entanto, a realização de um diagnóstico não é uma tarefa exclusivamente técnica em que os exames complementares de diagnóstico resolvem todos os problemas. De facto, a principal justificação para realizar um exame complementar de diagnóstico é para adicionar nova informação ao caso clínico

Desenho do estudo: Este artigo foi publicado em Março de 2013 na revista Family Practice da Oxford University Press. É um artigo de opinião em que os autores procuraram descrever o príncipio do tempo-eficiência como uma estratégia diagnóstica válida nos cuidados de saúde primários.

Resultados: Para qualquer exame, a relação entre a prevalência da doença e o valor preditivo do exame é dinâmica, isto é, o ganho em fazer um exame diagnóstico é tanto maior quanto mais a prevalência da doença se aproxima dos 50%. Neste ponto o número de pacientes que é preciso avaliar para correctamente predizer um diagnóstico é também menor. Assim um resultado positivo de um teste específico e sensível praticamente garante o diagnóstico e um resultado negativo elimina a hipótese de diagnóstico. Todos os testes têm a sua maior utilidade diagnóstica ao nível do dilema dos 50:50, quando a probabilidade pré e pós-teste de ter ou não ter determinada doença é semelhante. Na tomada de decisão clínica quando a prevalência da doença é baixa, um teste negativo pouca informação nos dá pois a probabilidade pré-teste de ter a doença é  altamente improvável. Por este motivo o princípio tempo-eficiência é útil essencialmente em contexto de baixas prevalências (entre 0-10%), como muitas vezes ocorre ao nível dos cuidados de saúde primários, em que o paciente tipicamente é acompanhado desde o início da sua doença permitindo um acompanhamento contínuo até ao ponto em que a requisição de testes ou a referenciação se torna efectivamente mais útil (10%).

Comentário: Ao nível dos cuidados de saúde primários os utentes são vistos geralmente no início do curso da sua doença. Por outro lado os cuidados a este nível devem ser contínuos, até porque muitas vezes no início do curso da doença não se consegue distinguir as doenças auto-limitadas daquelas progressivas, sendo necessário acompanhar o doente até chegar a um ponto de equilíbrio (em que as probabilidades sejam de 50:50) em que cada atitude subsequente (requisição exames/referenciação) terá um impacto na decisão clínica. Por este motivo, o principal benefício do princípio do tempo eficiência é que este proteja o doente da iatrogenia (prevenção quaternária) , impedindo muitas vezes que se progrida para testes cada vez mais sofisticados em que os riscos excedam os benefícios. A fonte de erro em medicina não se prende com a qualidade das performances mas sim com a qualidade das decisões em iniciar o processo de investigação clínica. Baseando-se no princípio tempo-eficiência pretende-se fazer diagnósticos que realmente sejam úteis para os pacientes, na altura certa, diminuindo a má-prática e a medicina excessivamente defensiva, evitando alarmar precocemente o paciente e evitando custos desnecessários financeiros e morais para médico e paciente. O médico de família conhecedor do curso e história natural da doença encontra-se numa posição privilegiada na relação de confiança e continuidade que desenvolve com o seu paciente, sendo capaz de lidar com a incerteza e incutir segurança aos seus pacientes nas sucessivas consultas até ao momento em que seja mais adequado prosseguir com a investigação e/ou referenciar a cuidados especializados sem prejuízo da qualidade dos cuidados prestados para o doente.

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