Um país de velhos que não é para velhos

 

 

O envelhecimento populacional é uma realidade global, constituindo uma das maiores problemáticas do séc. XXI. Prevê-se que em 2050, pelo menos 16.5% da população mundial tenha uma idade igual ou superior a 65 anos. Mas esta realidade é ainda mais marcada em países da União Europeia (UE) e, em particular, no nosso país. De acordo com os Censos de 2021, 23,4% da população portuguesa apresentava 65 ou mais anos. Os dados mostram que Portugal é o 4º país da UE com maior proporção de idosos e o 5º país com o índice de envelhecimento mais elevado.
“E depois da reforma, o que fazer?”; “Como manter a mente ativa?”; “Que tipo de exercício físico posso praticar com a minha idade?”; “A comida já não me sabe da mesma forma, tenho menos apetite, que alimentos devo escolher?”
As necessidades dos idosos são múltiplas. A falta de acessibilidade aos cuidados e serviços de saúde, a carência de apoios sociais e económicos, a escassez de recursos na comunidade, a limitação na habitação adaptada às necessidades, levam a que este grupo seja isolado da sociedade, culminando em solidão. Quem de nós não conhece casos de abandono hospitalar, tratados cordialmente como “internamentos sociais”?
Verifica-se um desinvestimento nas pessoas mais velhas, desperdiçando décadas de experiência e aprendizagem. Paralelamente, assiste-se a falta de investimento nas relações inter-geracionais, desaproveitamento de tanto conhecimento que os novos de antigamente teriam para partilhar. A verdade é que não só as relações pessoais (como a família, amigos, redes de vizinhança e animais de estimação) mas também a participação social (aproximação à comunidade, incluindo a religião, participação em organizações e instituições locais, trabalho e voluntariado) que estão associadas a melhor saúde física e mental, e maior satisfação com a vida. De facto, muito haveria a dizer, mas foquemo-nos na vertente dos cuidados e serviços de saúde. A 30 de maio de 2013, a Ordem dos Médicos (OM) reconheceu oficialmente a criação da “Competência em Geriatria”, aceitando a especificidade deste ramo da Medicina. Contudo, a verdade é que não existe a especialidade de Geriatria em Portugal e a formação prática é escassa, motivando os interessados no aprofundamento da sua formação a procurarem estágios no estrangeiro.

 

Precisamos de investir na população idosa. Precisamos de priorizar a promoção de um envelhecimento saudável, em todas as suas vertentes, de forma multidisciplinar, sendo uma sugestão começarmos por nos basear nos pilares do envelhecimento ativo – alimentação, atividade/exercício físico, cognição, sexualidade, relações sexuais, segurança e bem-estar.

A Geriatria é uma especialidade médica que se ocupa dos estados físico, mental, funcional e social que se verificam na prevenção, nas doenças aguda e crónica, na reabilitação e nas situações de fim de vida dos doentes idosos. Tal como nas crianças, também a medicina nos idosos assume particularidades. O envelhecimento humano ocasiona inevitavelmente alterações biológicas que fragilizam os mecanismos de defesa e a homeostasia e as doenças tornam-se mais frequentes. Os idosos apresentam condições físicas, cognitivas e funcionais distintas, que os fazem responder de forma diferente às intercorrências, tornando desafiante a gestão da saúde e da doença nesta população. Estas particularidades devem ser tidas em conta no tratamento médico do doente idoso e é precisamente disso que trata a Geriatria.
Face a um envelhecimento populacional crescente e aos desafios a ele inerentes, torna-se imperiosa a necessidade de todos os profissionais de saúde que lidem com idosos terem conhecimentos em Geriatria. Precisamos de investir na população idosa. Precisamos de priorizar a promoção de um envelhecimento saudável, em todas as suas vertentes, de forma multidisciplinar, sendo uma sugestão começarmos por nos basear nos pilares do envelhecimento ativo – alimentação, atividade/exercício físico, cognição, sexualidade, relações sexuais, segurança e bem-estar.
O médico de família encontra-se numa posição privilegiada, não só no que diz respeito ao conhecimento dos contextos social, familiar e económico do doente, mas também pelo facto de ser o primeiro ponto de contacto médico com o sistema de saúde, de prestar cuidados longitudinais, entre outros. A promoção do envelhecimento saudável deve iniciar-se desde que se nasce e quem melhor do que o médico de família para o fazer?
Portugal é um dos países mais envelhecidos da União Europeia, mas o investimento na formação específica em Geriatria permanece aquém da necessidade, não seguindo o exemplo de países vizinhos igualmente envelhecidos como a Espanha ou a Itália. Vale a pena refletir… Tendo em conta o aumento da esperança média de vida, estamos a viver mais, mas estaremos a viver melhor? Assumindo conflito de interesses, sugiro que vamos “matando o bichinho” da Geriatria com a leitura de material do Grupo de Estudos de Saúde do Idoso (GESI) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF).

Por Carolina Andrade, USF Serpa Pinto

 

 

 

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