Abcesso drenado, abcesso tratado?


Pergunta clínica: Em pacientes com abcessos simples da pele, após o tratamento por incisão e drenagem, há necessidade de complementar com antibioterapia oral (clindamicina ou trimetoprim-sulfametoxazol)?

Enquadramento: Os abcessos são a infecção cutânea mais comum, geralmente causados pela bactéria staphylococcus aureus, incluindo formas meticilino-resistentes. Dado o custo reduzido e actividade contra bactérias staphylococcus aureus, a clindamicina e o trimetoprim-sulfametoxazol podem ser recomendados no tratamento dos abcessos da pele. Mas existe a percepção (maioritariamente baseada na opinião de peritos ou em pequenos ensaios clínicos de menor dimensão e qualidade) de que a taxa de cura e de recorrência dos abcessos cutâneos não melhora com a adição de um antibiótico sistémico após incisão e drenagem.

Desenho do estudo: Ensaio clínico multicêntrico prospectivo e randomizado, duplamente cego e controlado com placebo, envolvendo adultos e crianças com abcesso cutâneo com ≤5 cm de diâmetro (≤3cm se 6-11 meses ou ≤4cm se 1-8 anos) tratados em ambulatório. Após incisão e drenagem do abcesso, os pacientes foram aleatorizados (ratio 1:1:1) para receber tratamento com clindamicina (150 mg tid), trimetoprim-sulfametoxazol (80 mg bid) ou placebo, durante 10 dias. As doses pediátricas foram ajustadas ao peso. O resultado primário em estudo foi a cura clínica 7-10 dias após o fim do tratamento. Foram ainda avaliados a taxa de cura e de recidiva após 1 mês de seguimento assim como efeitos adversos do tratamento. Foram estudados 786 indivíduos, 505 adultos e 281 crianças.

Resultados: Aos 10 dias de tratamento, a taxa de cura nos indivíduos tratamentos com clindamicina ou trimetoprim-sulfametoxazol  foi similar (83.1 e 81.7% respectivamente), sendo com ambos os fármacos significativamente superior ao placebo (68.9%, P<0.001). O benefício clinico da antibioterapia mostrou-se restrito aos casos de infeção por staphylococcus aureus (67% do total). Nos indivíduos com cura clínica inicial, e após 1 mês de seguimento, a recidiva foi menos comum no subgrupo tratado com clindamicina (6.8%), comparativamente com trimetoprim-sulfametoxazol  (13.5%) ou placebo (12.4%). Os efeitos adversos foram mais comuns com a toma de clindamicina (21.9%) comparativamente com o trimetoprim-sulfametoxazol  (11.1%) ou placebo (12.5%), tendo sido os mais comuns diarreia e náusea, todos com resolução sem sequelas.

Conclusão: A terapêutica com clindamicina ou trimetoprim-sulfametoxazol  em adição ao tratamento com incisão e drenagem para abcessos simples da pele melhora o resultado clínico a curso prazo.

Comentário: Os autores consideram que o benefício clínico da antibioterapia deve ser ponderado considerando os efeitos adversos dos antibióticos estudados. Salientam ainda que a escolha do antibiótico coadjuvante ao tratamento cirúrgico do abscesso deverá ter em consideração o perfil regional de resistência microbiana para outros antibióticos de uso comum nas infeções cutâneas não complicadas. Ensaios subsequentes serão necessários para clarificar melhor estas questões. Fica a dúvida se será ainda adequado o uso da expressão “abcesso drenado, abcesso tratado”.

Artigo original: N Engl J Med

Por Albino Martins, USF S. Lourenço 


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