Afinal os médicos também morrem…




Numa semana em que se descobriu, finalmente, que os médicos também dormem, fui infelizmente confrontado com a realidade de que os médicos também morrem.

Conheci-a há cerca de um ano quando fui colocado na UCSP. Meia-idade, esguia, frenética em tudo o que fazia, por vezes “cabeça no ar”, simpática, bem-disposta, transbordava saúde. Também havia pouco tempo que tinha chegado à Unidade, mas já conhecia os cantos à casa. Ofereceu-me a sua ajuda. Não falávamos de intimidades, não conhecia a sua família, não sabia a sua morada, mas o facto de ela “morar ” no gabinete ao lado aproximou-nos. “Oh Dra. pode vir ali ver um exantema e dar me a sua opinião?”, pedia eu. “Bruno, tens PEM?”, perguntava ela. Era raro o dia em que, pelo menos, não retribuíamos um “Olá” apressado entre doentes e era raro o dia que ela não me perguntava se a minha PEM estava a funcionar… Enfim, uma dessas doenças que os doentes classificam como “doença ruim”, acabou por nos separar de gabinete e abalar a nossa crença de imortalidade. Também deitou por terra a teoria do meu Pai, quando diz que o melhor doente é o Médico porque pode tratar-se a si próprio. Não pode, não deve. Quando confrontada com a incontornável realidade que é a morte, cai por terra a crença universal e generalizada da população, de que o Médico é um ser superior, que não adoece, que não come, que não dorme, que não tem necessidades básicas, qual mago feiticeiro de uma cultura sobrenatural, capaz de tratar e curar tudo e todos a qualquer hora do dia e da noite, e em qualquer lugar. Acredito que quando o utente/doente procura o médico, o seu principal objectivo é o de obter a mezinha perfeita, a poção mágica miraculosa que alivia o sofrimento e erradica o mal. Acredito que quando o utente/doente procura o médico, procura esse tal ser superior. No entanto, se toda esta crença se torna importante na hora de passar a mensagem e fazer cumprir ao doente as nossas recomendações, não tenho dúvidas de que também se torna prejudicial quando a medicina não chega, não salva.

Lamento, mas se a imortalidade existisse certamente o Médico usá-la-ia em proveito próprio.

Despeço-me, como me despedia diariamente: Até amanhã, Dra. Liliana.

Por Bruno Moreno, Médico de Família


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