Antibióticos podem ser uma alternativa à cirurgia no tratamento da apendicite aguda

 

 

Pergunta clínica: Comparando com uma abordagem cirúrgica, qual o efeito do tratamento da apendicite aguda com antibióticos na qualidade de vida aos 30 dias?

População: doentes com o diagnóstico de apendicite aguda
Intervenção: ciclo de antibioterapia
Comparação: realização de apendicectomia, tanto por laparotomia como por laparoscopia
Outcome: qualidade de vida aos 30 dias

Enquadramento: Desde há quase dois séculos que o gold-standard do tratamento da apendicite aguda é a abordagem cirúrgica. Não obstante, dada a componente infecciosa desta patologia e o tempo de recobro pós-intervenção, a possibilidade de optar por uma abordagem conservadora é atractiva.

Desenho do estudo: Ensaio clínico aleatorizado. Foram aleatorizados 1:1 para receber antibiótico ou ser submetidos a cirurgia, adultos que recorreram ao serviço de urgência com apendicite aguda confirmada imagiologicamente. Excluíram-se doentes em choque séptico, com peritonite difusa, apendicite recorrente ou complicada, bem como com evidência de cancro, doentes imunodeprimidos, grávidas, com alergia reportada aos antibióticos em uso ou com história de cirurgia abdominal ou pélvica no último mês. Os elementos do grupo de intervenção realizaram pelo menos 24 horas de antibioterapia endovenosa, seguida de um ciclo de 10 dias de metronidazol e cefalosporina. Considerou-se como marcador (outcome) primário a qualidade de vida aos 30 dias, segundo o score validado EQ-5D. Os marcadores secundários incluíram a resolução dos sintomas reportada pelos doentes, apendicectomia subsequente no grupo de intervenção, complicações durante a abordagem cirúrgica, complicações aos 90 dias e efeitos adversos graves incluindo morte.

Resultados: Foram aleatorizados 1552 adultos, 776 para cada grupo, com características similares no início do estudo. 414 dos participantes possuíam fecalito(s) no lúmen do apêndice. Não se verificou diferença significativa entre os dois grupos na qualidade de vida aos 30 dias. A necessidade de abordagem cirúrgica subsequente no grupo de antibiótico foi de cerca de 29% aos 90 dias, 41% no caso dos doentes com fecalito(s) no lúmen do apêndice. Os doentes no grupo antibiótico perderam menos dias de trabalho (5.26 vs. 8.73), mas recorreram mais à urgência (9% vs. 4%) e necessitaram mais de hospitalização em 90 dias (24% vs. 5%). Verificou-se ainda uma maior taxa de complicações no grupo antibiótico (8.1% versus 3.5%), especialmente nos doentes com fecalito(s) (20.2% vs. 3.6%).

Comentário: Este é o maior ensaio clínico randomizado a explorar a possibilidade de uma abordagem não cirúrgica na apendicite aguda. O tratamento com antibióticos revelou ser uma alternativa eficaz à cirurgia e aproximadamente 70% dos pacientes evitou uma intervenção cirúrgica dentro de 90 dias. Contudo, uma abordagem conservadora não é isenta de desvantagens. Uma maior taxa de complicações, especialmente em doentes com fecalito(s) reportados, poderá justificar a intervenção cirúrgica como opção inicial. Sublinhe-se ainda que o seguimento neste ensaio foi apenas feito a curto e médio prazo, o que torna impossível prever a taxa de recorrência para lá dos primeiros meses.

Artigo original: NEJM

 

 

Por Guilherme Oliveira, USF Esgueira Mais

 

 

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