Pergunta clínica: A diminuição de movimentos fetais reportada pela grávida associa-se a desfechos fetais adversos?
Desenho do estudo: Estudo de coorte retrospetivo realizado na Austrália, comparando as gravidezes em que as mulheres reportaram diminuição de movimentos fetais no 3º trimestre com as que não reportaram. Foram incluídas gravidezes com feto único, entre 2009 e 2019, sem anomalia congénita conhecida, com diminuição dos movimentos fetais em frequência ou força, ausência de movimentos fetais ou alteração do padrão dos movimentos, após 28 ou mais semanas de gestação. Foram excluídas as gravidezes em que o abortamento foi diagnosticado na primeira apresentação de diminuição de movimentos fetais. Às mulheres que referiram diminuição de movimentos fetais foi efectuado cardiotocografia fetal e, a partir de 2016, foi oferecida ainda análise para identificar hemorragia materno-fetal e foi considerada ecografia para avaliar o crescimento e bem estar fetal. O marcador (outcome) principal foi a ocorrência de nado-morto. Foi ainda considerado um marcador (outcome) de eventos perinatais adversos composto por pelo menos um dos seguintes: admissão a unidade de cuidados intensivos neonatais, pH da artéria umbilical <7.0 ou excesso de base ≤-12.0 mmol/L, Apgar aos 5 minutos <4, morte neonatal ou nado-morto.
Resultados: Foram incluídas 101597 grávidas, sendo que 8821 (8.7%) reportaram diminuição de movimentos fetais, com uma média de idade gestacional de 37 semanas. Não se verificou uma associação estatisticamente significativa entre a diminuição de movimentos fetais e risco aumentado de nado-morto (0.1% vs. 0.2%; odds ratio ajustado [aOR] = 0.54; Intervalo de confiança [IC] 95% 0.23 – 1.26). O grupo com diminuição de movimentos fetais apresentou taxas superiores de parto precoce planeado, parto induzido e cesariana de emergência. A proporção de recém-nascidos pequenos para a idade gestacional foi superior no grupo que reportou diminuição de movimentos fetais (9.7 vs. 8.5%; aOR 1.14; IC 95% 1.03 – 1.27). Relativamente ao marcador composto, foi superior nas mulheres que reportaram diminuição de movimentos fetais (aOR 1.14; IC 95% 1.02 – 1.27).
Comentário: A percepção pela grávida da diminuição de movimentos fetais no terceiro trimestre é um dado subjetivo. Apesar disso, neste estudo, associou-se uma série de complicações da gravidez. A incidência de nados-mortos não diferiu entre os grupos, sugerindo os autores que tal possa ter resultado de mais intervenções obstétricas planeadas no grupo que reportou diminuição dos movimentos fetais. A associação da diminuição de movimentos fetais a recém-nascidos baixo peso e a parto pré-termo pode apresentar-se como um reflexo da resposta fetal à hipoxia e assim estabelecer-se como um fator de reconhecimento de disfunção da placenta e restrição de crescimento fetal. Do ponto de vista prático, as conclusões deste estudo significam que se a grávida reportar uma diminuição dos movimentos fetais nas consultas de vigilância da gravidez do terceiro trimestre, isso justificará a referenciação à Obstetrícia para uma avaliação mais aprofundada.
Artigo original: JAMA Netw Open
Por Ana Sofia Cerqueira Martins, USF Coimbra Sul