Exposição precoce a alergénios alimentares diminui alergias futuras

 

 

Pergunta clínica: A introdução precoce de alimentos alergénios previne alergias alimentares aos 36 meses?

População: crianças entre os 3 aos 36 meses
Intervenção:  introdução precoce de alimentos potencialmente alergénios (amendoim, leite de vaca, trigo e ovo) e intervenção na pele (emolientes e óleo de banho)
Comparação: cuidados habituais
Outcome (primário): prevalência de alergia alimentar aos 36 meses

Desenho do estudo: Ensaio clínico aleatorizado, multicêntrico, realizado na Noruega e Suécia. O recrutamento foi efectuado aquando da ecografia pré-natal das 18 semanas, tendo sido aleatorizados recém-nascidos saudáveis com, pelo menos, 35 semanas de idade gestacional, para quatro grupos: [1] sem intervenção (n=597); [2] intervenção na pele (n=575); [3] introdução de alimentos alergénios (n=642); [4] combinação das duas intervenções (n=583). Apesar de os participantes no estudo conhecerem a sua alocação, esta permaneceu ocultada para os elementos da equipa de investigação responsáveis pela avaliação dos marcadores. A intervenção na pele consistiu na aplicação de óleo emulsionado no banho e emolientes no rosto. Quanto à intervenção com alimentos alergénios, estes foram introduzidos, sequencialmente, a partir dos 3 meses, começando pela manteiga de amendoim e, posteriormente (com intervalos
de 1 semana), introduzindo o leite de vaca, o trigo e o ovo mexido. Estes alimentos foram oferecidos, pelo menos, 4 vezes por semana e mantidos até aos 6 meses, sem restrições de dose. O aleitamento materno ou fórmula, fazia também parte da dieta. Foram efectuadas avaliações de seguimento aos 3, 6, 12, 24 e 36 meses de idade. Foi possível ter os dados finais relativos a 99,9% dos participantes. O marcador primário foi a ocorrência de alergia alimentar aos 36 meses, a qualquer dos alimentos introduzidos.

Resultados: Dos 2397 bebés aleatorizados, 44 foram diagnosticados com alergia alimentar, dos quais 14 (2.3%) no grupo sem intervenção, 17 (3%) no grupo com intervenção na pele, 6 (0.9%) no grupo de intervenção alimentar e 7 (1.2%) no grupo de intervenção combinada. A alergia ao amendoim foi diagnosticada em 32 crianças, 12 crianças apresentaram alergia ao ovo e 4 ao leite de vaca. Nenhuma criança apresentou alergia ao trigo. A prevalência da alergia alimentar foi inferior no grupo com introdução de alimentos alergénios (intervenção alimentar apenas ou combinada) em comparação aos grupos que não receberam alimentos (sem intervenção ou apenas intervenção à pele): 1,1% vs. 2,6% (NNT=63; IC 95% 37-196). Não se registaram diferenças estatisticamente significativas entre o grupo que recebeu intervenção na pele e o que não recebeu. Também não foram reportadas preocupações relativas à segurança das intervenções durante o estudo.

Comentário: Segundo as Linhas de Orientação para Profissionais e Educadores de 2019 – alimentação saudável dos 0 aos 6 anos, a diversificação alimentar está prevista entre os 4 meses+1 semana e os 6 meses +1 semana, sendo que o leite de vaca está desaconselhado até aos 12 meses, a gema do ovo só deve ser introduzida por volta dos 8 meses e o ovo inteiro apenas aos 12 meses. Este estudo abre caminho para uma possível nova abordagem da diversificação alimentar, uma vez que demonstrou que a introdução de alimentos potencialmente alergénios antes dos dos 4 meses pode ser uma estratégia segura e eficaz na prevenção das alergias alimentares aos 36 meses.

Artigo original: Lancet

Por Mara Fonseca e Valérie Vieira
Centro de Saúde de Angra do Heroísmo e Centro de Saúde Dr. Rui Adriano de Freitas, SESARAM

 

 

 

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