Meta-análise: em dois terços dos casos a tosse não é devida ao IECA




Pergunta clínica: Dos pacientes a fazer inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) que desenvolvem tosse, qual a proporção destes em que essa tosse é realmente devido a esse efeito adverso dos IECA?

Enquadramento: A tosse é um efeito adverso conhecido do tratamento com IECA, sendo também um sintoma comum em pessoas não tratadas com IECA. Com frequência, esse efeito adverso leva à interrupção dessa medicação.

Desenho do estudo: Revisão sistemática e meta-análise de ensaios clínicos randomizados elaborada segundo as diretrizes PRISMA. Foram pesquisadas duas bases de dados, incluindo a Cochrane Library, referências bibliográficas de outras revisões e meta-análises.

Resultados: Identificados 22 estudos com 65.054 utentes tratados com IECA para hipertensão, doença cardíaca ou insuficiência cardíaca. Todos os estudos foram de alta qualidade. Aproximadamente 1 em cada 8 utentes (13,5%) que estavam medicados com um IECA referiram tosse em comparação com 1 em 12 (8,5%) que estavam a tomar placebo. Comparando essas taxas, aproximadamente 63% da tosse em utentes medicados com IECA não foi causada pelo uso do medicamento, mas pelo desenvolvimento de tosse espontânea na população em geral. Mesmo em pacientes que interromperam a administração de um IECA em ensaios clínicos devido ao aparecimento de tosse, 1 em cada 5 (22%) dos casos pode ser atribuído a eventos de tosse espontânea. A tosse atribuída aos IECA é menos frequente em pacientes com insuficiência cardíaca. Houve heterogeneidade significativa entre os resultados dos estudos, bem como um risco significativo de viés de publicação, possivelmente refletindo a não publicação de estudos de menor dimensão com pouca diferença na tosse entre placebo e IECA.

Conclusão: Aproximadamente dois terços das tosses que se desenvolvem em pacientes que tomam IECA podem ser atribuídos a outras causas que não os IECA.

Comentário: Frequente, a ocorrência de tosse nos pacientes a fazer IECA conduz à suspensão ou troca de medicamento, perdendo-se uma importante ferramenta terapêutica. Estes dados permitem, pelo menos, uma maior parcimónia na atribuição da etiologia da tosse ao fármaco e maior ponderação na sua suspensão ou substituição. A salientar que a tosse atribuída aos IECA é menos frequente em pacientes com insuficiência cardíaca. Isto é relevante também pelo facto de neste grupo de concreto a introdução e titulação do IECA ser um importante modificador de prognóstico para estes doentes.

Artigo original: Clin Pharmacol Ther

Por Carlos Seiça Cardoso, USF Condeixa


Prescrição Racional
Menu