A face oculta da investigação

Em Março de 2006 seis voluntários (com incentivo de 2000 libras) integraram a fase 1 de uma investigação1, em Londres, sobre o anticorpo monoclonal anti-CD28 TGN1412. No entanto, logo nas primeiras horas surgiram sintomas como cefaleias e mialgias, progredindo, durante o primeiro dia, para insuficiência respiratória e renal aguda que culminaram na necessidade de ventilação invasiva e diálise.

Os cuidados intensivos do hospital londrino garantiram a sobrevivência dos seis homens, mas será que este sofrimento poderia ter sido evitado? Ou foi apenas um risco calculado, inevitável, da investigação médica?

Segundo uma das conclusões do relatório2 redigido após esta experiência, este risco poderia, pelo menos, ter sido reequacionado pois, tal como se veio a descobrir, o Professor Hamblin em 1994 tinha realizado uma experiência semelhante num voluntário com resultados negativos. No entanto, ninguém tinha acesso a esta informação, pois este estudo prévio nunca tinha sido publicado.

O caso do TGN1412 é um dos muitos exemplos incluídos no mais recente livro de Ben Goldacre, em que o autor aborda de forma assertiva a neblina que envolve investigadores, médicos e doentes. Recomendo vivamente a leitura atenta de Bad Pharma3 e, sendo impossível sintetizar as 448 páginas, saliento nesta crónica o facto, incontestável, de que o actual sistema favorece fundamentalmente resultados positivos, enquanto muitos resultados desfavoráveis são ignorados deliberadamente.

A dimensão desta “face oculta” é avassaladora. Citando apenas alguns exemplos: Lee4 apurou que entre os 909 estudos submetidos entre 2001 e 2002, 66% das investigações com resultados positivos foram publicadas e apenas 36% das que obtiveram resultados negativos tiveram esse destino; Rising5 em 2008, calculou que de 164 estudos aprovados pela FDA aqueles com resultados favoráveis tinham 4 vezes mais hipóteses de serem aceites por revistas científicas e Bardy6 concluiu que dos trabalhos notificados à Agência Finlandesa, apenas 11% dos resultados negativos foram publicados.

Estes dados ocultos não são um pequeno pormenor: a ausência de informação causa objectivamente decisões erradas.

Convém esclarecer que não concordo com aqueles que têm uma visão maniqueísta em que a ciência “pura” se encontra no lado oposto à da indústria farmacêutica. Mas parece evidente que é necessário dar passos concretos no sentido de uma maior transparência.

Neste ponto o médico e escritor inglês tem o mérito de colocar na praça pública um tema complexo e sério em que muito provavelmente a solução passa pela cidadania activa.

Por isso gostaria de desafiar o leitor para, tal como eu, assinar a petição All Trials7que visa a publicação integral de todas as investigações médicas. A petição está disponível em: http://www.alltrials.net/home/brazilian-portuguese-translation/.

Luís Monteiro, Médico de Família

Bibliografia:

1. Suntharalingam G. et al. Cytokine storm in a fase 1 trial of the anti-CD28 monoclonal antiboby TGN1412. N.Engl. J. Med. Set 2006 7; 355 (10): 1018-28 [acesso em 2 Abril 2013]. Disponível em: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa063842#t=article

2. Expert Group on fase 1 Clinical Trials: Final Report [Internet]. 2006. Página 70. [acesso em 2 Abril 2013] Disponível em: http://www.trialformsupport.com/business/doc/Final_Report_of_the_Expert_Scientific_Group_(ESG).pdf

3. Goldacre B. Bad Pharma. Fourth Estate. London. 2012

4. Lee K, Bacchetti P, Sim I (2008) Publication of Clinical Trials Supporting Successful New Drug Applications: A Literature Analysis. PLoS Med 5(9): e191. [acesso em 2 Abril 2013]. Disponível em: http://www.plosmedicine.org/article/info:doi/10.1371/journal.pmed.0050191

5. Rising K, Bacchetti P, Bero L (2008) Reporting Bias in Drug Trials Submitted to the Food and Drug Administration: Review of Publication and Presentation. PLoS Med 5(11): e217. [acesso em 2 Abril 2013]. Disponível em: http://www.plosmedicine.org/article/citationList.action?articleURI=info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pmed.0050217

6. Bardy AH. Bias in reporting clinical trials. Br J Clin Pharmacol. 1998 August; 46(2): 147–150. [acesso em 2 Abril 2013]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1873669/

7. All trials [Internet, acesso em 2 Abril 2013] Disponível em: http://www.alltrials.net/home/brazilian-portuguese-translation/

8. Therapeutic Education Collaboration. [Internet]. Podcast. [acesso em 2 Abril 2013] Disponível em: http://therapeuticseducation.org/podcast/special-episode-%E2%80%93-bad-science-bad-pharma-good-podcast-ben-goldacre

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