Proteína C reativa reduz antibioterapia desnecessária nas exacerbações da DPOC




Pergunta clínica: Poderá o valor da proteína C reativa ajudar a reduzir a prescrição desnecessária de antibióticos em exacerbações agudas da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica?

Enquadramento: A exacerbação aguda da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) é, por definição da “Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease” (GOLD), um evento caracterizado pelo agravamento agudo dos sintomas respiratórios (dispneia, tosse com aumento do volume e/ ou purulência da expectoração – critérios de Anthonisen) da qual resulta uma mudança da terapêutica habitual. É frequente a utilização de antibiótico, nem sempre necessário, como parte dessa mudança terapêutica. A medição da proteína C reativa (identificada com o acrónimo PCR) nestes casos poderá ser útil no apoio da decisão de introdução de antibioterapia, de forma a restringir o seu uso aos casos necessários. O objetivo deste estudo foi testar a viabilidade e segurança para o doente dessa prática clínica.

Desenho do estudo: Estudo multicêntrico, aberto, randomizado e controlado, envolvendo 653 doentes a nível dos cuidados de saúde primários (de 86 centros em Inglaterra e no País de Gales), com idade superior a 40 anos, diagnóstico de DPOC, e que recorreram durante o estudo a consulta por exacerbação aguda da DPOC. Os doentes foram divididos em dois grupos, um em que os cuidados foram os habituais e outro em que foi também medida a proteína C reativa para orientação da antibioterapia. Os dois principais parâmetros avaliados foram: o uso de antibioterapia, para testar a superioridade; e o estado de saúde relacionado com a DPOC, para testar a não inferioridade, utilizando “Clinical COPD Questionnaire” que consiste num questionário clínico com avaliação de 10 itens, com pontuação mínima de 0 (muito bom estado de saúde) e máxima de 6 (muito mau estado de saúde). Os doentes foram contactados telefonicamente passado 1 e 2 semanas, e observados às 4 semanas do início do estudo. Foi considerada a utilização de antibiótico como de: improvável benefício para valores de proteína C reativa < 20 mg/L; possível benefício para valores entre 20 e 40 mg/L (especialmente no caso de expetoração purulenta); e provável benefício para valores > 40 mg/L.

Resultados: A idade média dos doentes foi de 68 anos e 52% eram homens. A maioria dos doentes enquadrava-se no estádio 2 ou 3 da GOLD. Todos os doentes tinham pelo menos um dos critérios de Anthonisen. Em relação ao marcador primário, verificou-se uma menor percentagem de uso de antibioterapia no grupo guiado por proteína C reativa [57,0% vs. 77,4%; OR 0,31 (IC 95%: 0,20 a 0,47), Número Necessário para Tratar = 5], sendo que a prescrição também foi menor no grupo guiado por proteína C reativa, logo na consulta inicial [47,7% vs. 69,7%, OR 0,31 (IC 95%: 0,21 a 0,45)], e às 4 semanas de seguimento [59,1% vs. 79,7%, OR 0,30 (IC 95%: 0,20 a 0,46)]. Às 2 semanas de seguimento, a diferença média ajustada entre grupos na pontuação do CCQ foi de -0,19 pontos (IC bilateral 90%: -0,33 a -0,05), também a favor do grupo guiado por proteína C reativa . A distribuição geral dos valores de proteína C reativa  foi a seguinte: 76% < 20 mg/L, 12% de 20 a 40 mg/L, e 12% > 40 mg/L. A orientação por proteína C reativa  foi mais eficaz em doentes com mais critérios de Anthonisen, e foi estatisticamente significativa apenas para doentes com pelo menos 2 dos critérios. Registaram-se 2 óbitos no grupo de cuidados habituais durante o estudo, por causas consideradas pelos investigadores como não relacionadas à participação no estudo.

Conclusão: A orientação por proteína C reativa da prescrição de antibioterapia nas exacerbações da DPOC permitiu uma menor percentagem de uso de antibióticos, sem evidência de danos para os doentes.

Comentário: Trata-se de um estudo realizado com uma amostra de magnitude considerável, com conclusões importantes para quem trabalha a nível dos cuidados de saúde primários, sem os recursos disponíveis a nível hospitalar, e com uma responsabilidade relevante na redução da prescrição desnecessária de antibióticos. Percebe-se, através do estudo, a utilidade da orientação por proteína C reativa mas também a importância da avaliação clínica, nomeadamente através dos critérios de Anthonisen, que se revelaram, de novo, igualmente importantes como preditores da necessidade de antibioterapia. Assim, a utilização da proteína C reativa, a ser feita, deve ser sempre como adjuvante à avaliação clínica e não em sua substituição. Seria interessante perceber como seria possível introduzir este tipo de orientação na nossa realidade. Qual seria a forma mais exequível: análise laboratorial em laboratório convencionado? Teste rápido no centro de saúde, à semelhança da avaliação do INR nos hipocoagulados? Seria também importante avaliar os custos associados.

Artigo original:N Engl J Med

Por Luís Paixão, USF Coimbra Centro 




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