Raquel Diz @ S. Paulo

Porque optaste por efetuar este estágio?

Na minha opinião o principal objetivo de realizar um estágio no estrangeiro é contactar com uma nova realidade, distinta da nossa, de forma a aumentar a flexibilidade, capacidade de adaptação a novas situações e alargar horizontes, do ponto de vista médico e pessoal. A atividade no terreno e possibilidade de acompanhar o dia-a-dia de um Médico de Família noutro país é a forma mais real de entender o funcionamento e organização dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) desse mesmo país.

O estágio realizou-se em duas Unidades Básicas de Saúde (UBS), UBS Vila D’Alva e UBS Jardim São Jorge (equivalente aos Centros de Saúde em Portugal) durante o período de 1 mês, entre 6 de Março e 5 de Abril de 2014.

Porquê Brasil?

A opção pelo Brasil, concretamente pela cidade de São Paulo, foi influenciada por vários fatores, de natureza pessoal e profissional. O interesse pela cultura e particularidades socioeconómicas do Brasil e o conhecimento de que o serviço público de saúde neste país, denominado Serviço Único de Saúde (SUS) estava atravessar uma fase de mudança, nomeadamente no que diz respeito aos CSP, foram fatores determinantes nesta escolha. Profissionalmente acredito que o contato com patologias e problemas sociodemográficos caraterísticos deste país, nomeadamente doenças infetocontagiosas, problemas com o abuso de substâncias, precariedade das condições habitacionais e dificuldade de acesso aos cuidados de saúde me farão crescer e ampliar a minha visão acerca da problemática da saúde destas populações.




Com que impressões ficaste do Sistema de Saúde e da MGF exercida nesse país?

Ainda que tendencialmente público, o sistema nacional de saúde brasileiro (SUS), serve, maioritariamente, a população mais desfavorecida daquele país, já que as pessoas de classe média-alta, ainda que possam usufruir do mesmo, optam pelos seguros de saúde (Planos de Saúde no Brasil) e atendimento em instituições privadas. Apesar dos esforços políticos nesse sentido, sabemos que a oferta de instituições públicas para o atendimento aos doentes é escassa, quer a nível hospitalar, quer de CSP, levando à sobrelotação dos servições de urgência e internamento hospitalares e ao grande número de utentes por médico de família nas UBS, que pode ir até 4000 utentes por médico.

Em 1994, o Ministério da Saúde do Brasil, criou o Programa de Saúde da Família, atualmente designado Estratégia de Saúde da Família (ESF), cujo principal propósito era reorganizar a prática da atenção à saúde em novas bases e substituir o modelo tradicional (neste modelo o atendimento nas Unidades era da responsabilidade de médicos especialistas em Medicina Interna, Pediatria, Ginecologia, não dispondo de profissionais da área de Medicina Geral e Familiar ou “Medicina da Família e Comunidade”, como é designada no Brasil), levando a saúde para mais perto da família e, com isso, melhorar a qualidade de vida dos brasileiros. As prioridades da ESF são ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde das pessoas, de forma integral e contínua. O atendimento é assegurado pela Equipa de Saúde da Família (médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde), na Unidade ou no domicílio, criando vínculos de coresponsabilidade entre a população e os profissionais. Cada UBS trabalha com um território de abrangência definido e é responsável pelo registo e acompanhamento da população vinculada a esta área.




Da realidade que vivenciaste, há algum aspeto que gostarias de ver replicado em Portugal?

A atenção e abordagem ao doente como um todo, como um ser biopsicossocial, tendo em conta o seu contexto social, familiar e na comunidade em que se insere. No Brasil, dada a escassez de recursos disponíveis, seja de meios complementares de diagnóstico e terapêutica ou resposta hospitalar a referenciações, a abordagem do médico de família é tendencialmente virada para a resolução dos problemas psicossociais e menos centrada na doença orgânica.

Maior tempo por consulta disponibilizado para o atendimento aos doentes e uma maior multidisciplinaridade das equipas, sendo que cada UBS no Brasil dispõe de profissionais das mais diversas áreas (medicina dentária, psicologia, terapia da fala, terapia ocupacional, fisioterapeuta, educadores físicos, bem como especialidades hospitalares, em regime de consultadoria).

Este estágio mudou algum aspeto na forma como exerces a tua prática clínica?

Sim. Alertou-me e sensibilizou-me para alguns aspetos, nomeadamente a gestão de recursos mais conscienciosa e uma abordagem mais centrada na pessoa.

Tens algum conselho para partilhar com colegas que estejam a ponderar efetuar um estágio internacional?

Uma palavra de incentivo e motivação. Escolham um país ou uma realidade que vos desperte interesse e vão à luta. Vão voltar com certeza mais ricos, pessoal e profissionalmente e enriquecer, com a vossa experiência, o local por onde passarem.




Obrigado, Raquel Diz, Interna de Medicina Geral e Familiar da UCSP Santa Maria II de Bragança, por nos teres concedido esta entrevista.  🙂

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