Manifesto anti-SAMnovo

“Ele matar não mata, mas desmoraliza muito!”

Raul Solnado

“Até quando abusarás, Catalina, da nossa paciência”

Cícero

 

Este escrito foi feito com o coração e apenas com mínima participação da razão. Transborda da raiva de quem tem de lidar diariamente com a infernal maquinaria e os disformes programas informáticos do Ministério da Saúde desde há oito anos. Por isso, já não se escusa a exageros e usa metáforas escolhidas mais por critérios expressionistas  do que de rigor. Não é, decididamente, uma análise fria e racional. Dessas estão os jornais médicos e memorandos pejados, sem que algum responsável aparente preocupação em levá-las a sério. Por isso, aqui vai, dos neurónios da amígdala do escrevinhador, direto, para a memória de trabalho do computador, um grito/descarga, que muitos milhares de médicos subscreveriam (mais coisa menos coisa). Nascido dum repto de colegas, e nem que seja a última coisa que escreva, não podia deixar de o fazer, dado o estado ao que isto chegou.

Pegando no jovial modo do Prof. Armando Brito de Sá e do Dr. João Sequeira Carlos, sugiro, como banda sonora, Dies Irie do Requiem de Verdi, ou um qualquer rap bem batido, ou mesmo o Fado do Trinta e Um, conforme o vosso gosto.

Com a devida vénia a Almada Negreiros e a outros que de forma menos evidente tive a impertinência de plagiar, aqui vai para ouvidos de ‘barba rija’.

Uma geração de médicos que se encontra esmagada pelo SAMnovo é uma geração que nunca o será! Será um triste amontoado de profissionais castrados na sua eficiência por uma ferramenta abstrusa, disforme, malquista, devastadora, idiota, mas nunca, nunca, clínicos na plena asserção do termo.

Morra o SAM, morra! PEM!

Ao abrir o malfadado SAMnovo, o JAVA avisa que nos afoitamos por território perigoso, suspeito! Não uma, mas duas vezes, tal como a advertência que Dante colocou na porta do Inferno: “Deixai toda a esperança vós que entrais”, o prudente JAVA lava as mãos dos desmandos a que o aborto sujeitará os que insistirem no fatal quadradinho ‘I accept the risk’. O SAMnovo bloqueia, subverte, engana-se, entope: é o mundo kafkiano da tolice, dos clics abusivos, da estulta sequência de palavras de passe sobre palavras passe, uma espécie de dédalo onde não é raro embatermos em bugs sob a forma de minotauros tenebrosos. E são tantas as patetices, as falhas, os contratempos que  acabam por obscurecer, desvalorizar e aniquilar as virtualidades que o programa até possa ter! Esta triste versão (piorada) do Sam gera a saudade do Sam sem novidades (oh pérfidas novidades!) Por exemplo: antecipando um próximo acordo ortográfico, o ‘novo’ já despojou a língua portuguesa de acentos!

Se o SAM novo é português eu quero ser maori.

Morra o SAM novo, morra! PEM!

 

E que dizer do Alert? Esse mostrengo parido de modo obscuro e suspeita parceria entre público e privados, uma espécie de Frankenstein irracional, contra natura, horrendo, nada amigável, consumidor de tempo e pachorra, donde se evaporam misteriosamente dados entre os CSP e os CSS.

Se o Alert é lusitano eu quero ser aino!

Morra o Alert P1, morra! PEM!

 

E temos o Prontuário Electrónico – um mentiroso com nariz maior que quatro Pinóquios em fila indiana. Apresentações que não existem, nunca existiram e nunca chegarão às prateleiras das farmácias, anunciadas sem pudor, reserva ou preocupação com os tormentos que impõe a utentes, farmacêuticos, médicos e assistentes operacionais.

Se o prontuário é tuga eu quero ser inuiut.

Morra o Prontuário, morra! PEM!

 

E os enfermeiros, Senhor porque lhes dais tanta dor, porque padecem assim? Às mãos do SAPE sofrem, penam. Cada click é um pântano.

Se o SAPE é luso eu quero ser bosquimano!

Morra o SAPE, morra! PEM!

 

O SINUS: esse morto-vivo cuja morte anunciada e nunca efetivada, assombra os assistentes operacionais, qual lobisomem, zombi malvado, alma penada que insiste em sobreviver só para incomodar, arrelia, confundir, baralhar os que têm a má fortuna de o suportar dia após dia. SINUS, Mimuf e RNU- os três da vida airada!Façam-lhes exatamente a mesma pergunta e obterão três respostas diferentes.

Se o SINUS é de Portugal eu quero ser de Vanatu.

Morra o SINUS, morra! PEM!

 

E o PEM? Credo! Apresentado como a joia da coroa, o PEM é a quinta essência do absurdo, da  rigidez, do paradoxo, da imbecilidade, cheio de tiques, isto é, de clicks para entrar, clicks para sair, carregado de pop ups enervantes, inúteis, estéreis. Impotente, incapaz de registar alterações na lista de fármacos crónicos, o grande vigarista! O PEM é o Átila dos médicos, mais devastador que as hostes de Gog e Magog. Complexo, chato, irritante, burocrático até dizer basta. Espinha na garganta de quem se aventure a prescrever cuidados respiratórios, o monstro tritura, aniquila a nossa paciência, consome, desperdiça, eclipsa o tempo dos clínicos.

Se o PEM é terráqueo, eu quero ser selenita!

Morra o PEM, morra! Basta!

 

E os servidores neolíticos!? E a rede silúrica, que faz jus ao anexim lisboeta: o Rossio na rua da Betesga!? Pior: conseguiram enfiar o Parque de Monsanto no  beco dos Loios. Colossais volumes de trafego, aplicações pesadíssimas, tudo enfiado, espremido, por uma rede de dimensões capilares, atafulhada, enlatada, engarrfada. O resultado: a leeeeentidão …, a aterradora lentidão do sistema, omnipresente, a impregnar inelutavelmente os dias de trabalho, a envenenar o ambiente, a moer o juízo dos profissionais, a escarnecer dos utentes a delir o erário público. Ele são os programas que levam minuuuutos … a abrir, as impressõõõões que se eternizam, os múltiplos clicks com teeeeeeempos de espera inadmissíveis. E aquela  sinistra rodinha, a grande cínica, sempre a gozar com o pagode! Maldita seja!!

No centro desta terrífica panóplia estão a ACSS e o seu braço armado: o SPMS. São uns pantomineiros que se arrogam o direito de apresentar as suas tristes novidades como mirabolantes ferramentas informáticas dignas do séc XXII!! E a comunicação social generalista engole, cai na esparrela e olvida uma incursão junto dos desgraçados utilizadores, que todos os dias são martirizados por aquele amontado de trampolinices, para um obter um contraditoriozinho. E entoam cânticos ao PDS, que até  seria excelente se permitisse aceder aos resultados dos ECD hospitalares, e até é útil … quando está acessível e até seria melhor se não tivéssemos de andar às apalpadelas para encontrar a porta das traseiras, já que a da frente está infranqueável com crescente frequência.

E quando falam para os utilizadores? Aí o discurso muda: “as coisas não têm corrido muito bem, mas tudo vai mudar, temos planos …” etc., etc.. Enfim uma série de tretas que o devir se têm vindo a encarregar de desmentir. Monotonamente. São otimistas, dizem eles! Otimistas!! Sim, não tendo que se digladiar diariamente com o lixo que nos impõem, até se pode ser otimista. Mas os que dia após dia tropeçam naquele nojo todo só tem a dizer que há por aí acumulado um tal manancial de impropérios, insultos e maldições que levará meio milénio a gastar.

E que dizem eles quando algum lamento se lhes avizinha dos ouvidos? Que a culpa é dos médicos, esses info-ignorantes, maliciosos e incompetentes!! Que tudo está resolvido. Mas não está! É mentira!! Não têm pinga de vergonha!

Entre as vítimas desta cáfila de abominações informáticas até encontramos técnicos semeados pelos ACES e hospitais. Em reduzido contingentes parecem bailarinas a apagar fogos, isto é, falhas constantes de servidores mais velhos que a Sé de Braga e dar a face pelas palermices que o SPMS debita.

E ainda há quem duvide que que aquela informe alcateia de programas e hardware não vale nada, nem é inteligente, nem decente, nem zero. E há quem esteja acima dos déspotas obscurecidos da ACSS e finja não saber que aquilo nem a pólvora seca chega e que em matéria de eficácia é pim-pam-pum e lhes continue a dar a mão e que lhes lave a roupa e lhes pague ordenado!

Basta de incompetência e de arrogância.

BASTA!!

Ponham um letreiro no SAMnovo a dizer “Távora” e chamem o Marquês; enfiem um chapéu cónico na cabeça do PEM e mandem-no para a pira do largo de S. Domingos; reativem a PIDE para perseguir o Alert; vão buscar o Béria à sepultura para “tratar da saúde” ao SINUS; Defenestrem o Prontuário Eletrónico; evoquem o espectro do Jack The Riper para degolar o SAPE; invente-se um novo Loison para exterminar a rede; ressuscitem a conde Drácula para acabar com servidores do trempo da Maria Cachucha. E o MIMUF? e o SIARS? e o RNU? Fu-zi-lem-nos!! Exilem a ACSS para a Coreia do Norte e desterrem o SPMS para Mogadiscio.

Livrai-nos, oh Deuses, onde quer Que estejais e Quem quer Que sejais, destes cavaleiros do apocalipse, destas pragas que do Egito da XIX dinastia se mudaram para Portugal hodierno e nos afligem de sobremaneira. Trazei-nos a paz de programas decentes, razoavelmente lestos e minimamente amigáveis, de hardware que não seja decrépito e duma rede que não seja de vielas.

Acácio Gouveia, aamgouveia55@gmail.com

(artigo publicado em simultâneo no MGFamiliar e no Jornal Médico)

 

 

 

 

 

 

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