Testamento Vital – Uma Ponte para o Futuro

A Assembleia da República aprovou na generalidade os Projectos de Lei dos diferentes partidos políticos sobre o testamento vital. Por si só este facto deve ser enaltecido e constitui motivo de orgulho para a Associação Portuguesa de Bioética dado ter sido esta associação que, pela primeira vez em Portugal, sugeriu em 2006 a legalização das Diretivas Antecipadas de Vontade. A convergência alcançada no Parlamento reflete bem o largo consenso social existente sobre esta temática, bem como a oportunidade de legislar sobre esta matéria.

Existem, porém, alguns princípios que em minha opinião devem estar plasmados na legislação Portuguesa. Em primeiro lugar, e no plano conceptual, o Testamento Vital deve ser considerado como uma das vertentes das Diretivas Antecipadas de Vontade. Diretivas, dado que se trata de uma instrução que vincula o profissional de saúde sobre os tratamentos (ou outras intervenções), que essa pessoa deseja ou não para si própria. Estas instruções, que se traduzem na forma de uma declaração devem poder revestir-se de duas modalidades diferentes: a mais conhecida, uma declaração escrita (testamento vital), mas também a nomeação de um procurador de cuidados de saúde. O procurador é alguém que a pessoa escolhe para a representar, se um dia estiver incapaz de tomar decisões de saúde por e para si própria. Por exemplo, se estiver em coma ou no estado vegetativo persistente.

Para o testamento vital ser válido exige-se que a pessoa esteja adequadamente esclarecida sobre as implicações e o alcance de um documento desta natureza. Naturalmente que a evolução dos níveis de literacia cultural da nossa população terá como consequência que o grau de informação dos cidadãos tenda a aumentar. Não obstante, é necessário o envolvimento ativo dos profissionais de saúde – nomeadamente do médico de família – para que, caso a caso, exista a garantia de que se tomam sempre decisões fundamentadas e esclarecidas. Designadamente quando se trata da suspensão ou abstenção de tratamentos que possam culminar com a morte do doente.

Por outro lado, a implementação concreta do testamento vital, por exemplo nos hospitais, implica que a vontade da pessoa seja de fácil acesso aos profissionais de saúde. Daí que seja fundamental a criação de uma intranet no sistema de saúde – o RENDAV (Registo Nacional de Diretivas Antecipadas de Vontade) – sendo mesmo considerado como uma ferramenta nuclear para a operacionalização do Testamento Vital. Por fim, a Lei que venha a ser aprovada deve prever que apenas maiores de idade possam efectuar um testamento vital ou nomear um procurador de cuidados de saúde, devendo o declarante reafirmar periodicamente a sua vontade (de 3 em 3 anos) para se confirmar que esta instrução é atual no momento em que é aplicada pelos profissionais de saúde.

Rui Nunes, Professor Catedrático da Faculdade de Medicina do Porto, Presidente da Associação Portuguesa de Bioética

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