Um caminho com muitas curvas



Quantas vezes estou aqui! Nesta encruzilhada, a tentar decidir o que fazer. Quantas vezes escolho uma solução e depois percebo que fiz demais que resultou em pouco ou nada. Sem dúvida muitas vezes! E quantas vezes penso que fiz tudo e depois parece que foi pouco.

Da pessoa que sou faz parte uma identidade que é médico. E a pessoa que sou hoje é indissociável desta profissão. É verdade que uma grande parcela de minutos da minha vida desenrola-se a ser médico. Partilho muitas vidas com outros. Absorvo o que escuto e vejo. Tudo me faz mudar e sentir. A cada momento, a cada instante.

Hoje escrevo porque sinto. Sinto a inquietude de casos e vidas que me fazem pensar,mesmo quando estou em casa com a minha família.

Esta profissão que tantas vezes me faz sentir realizado, também me lança em dúvidas e receios que por vezes são ampliados por opiniões de quem não pode compreender. Ampliados por falta de recursos de todos os tipos. Ampliados por pressões e opiniões públicas que não sabem, não podem realmente saber e nem querem saber.

E sim, o utente não pode compreender. Só se for médico. E mesmo assim não poderá compreender totalmente. Para a generalidade das pessoas não é possível saber o que o médico pensa, como pensa e como quer pensar.  Isto não é uma crítica, mas sim um facto.

Neste momento estou a pensar na vulnerabilidade da pessoa médico. “De bestial a besta” é um tema que encaixa na perfeição. Bem sei que também é assim para muitas outras pessoas com outras profissões. Mas quantas envolvem contextos tão peculiares como o nosso. A pessoa vulnerável que nos procura. A pessoa com felicidade, raiva, tristeza, desalento, esperança, revolta, e… expetactiva.

Muitas vezes não decido aquilo que queres. Muitas não decido aquilo que achas melhor. Mas sempre te oiço e tento ir de encontro às tuas expectativas. E quantas vezes me ouves e decides em acordo comigo? Quantas vezes procuras outra opinião que te agrada mais? Outra opção que seja mais alguma coisa que preferes?

Então, fico assim a pensar. Penso na pessoa que está doente quando não devia estar. No sopro de vida que não era esperado. Na surpresa que nada fazia prever. E apesar de pensar que fiz tudo, fica sempre um “amargo” na alma. Um desejo de ter conseguido mais quando nada fazia prever.

Mas posso lidar com isso. Fazer sempre o melhor e refletir sobre tudo. Mesmo que o meu melhor não seja o que tu ves no teu momento.

A morte e a doença são duas realidades que devemos perceber e aceitar. E muitas vezes está traçado desta forma. Longe do controlo de qualquer pessoa, mesmo que seja um médico.

Por Philippe Botas

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