Vacina da gripe após enfarte reduz mortalidade (NNT=50)

 

Pergunta clínica: A vacinação precoce contra a gripe após um enfarte agudo do miocárdio reduz a mortalidade ou os eventos cardiovasculares no ano subsequente?

População:  doentes com enfarte do miocárdio recente
Intervenção:  vacina da gripe
Comparação: placebo
Outcome: composto por morte, enfarte do miocárdio e trombose do stent

Desenho do estudo: Ensaio clínico aleatorizado, com dupla ocultação e controlado por placebo, multicêntrico (8 países – Suécia, Dinamarca, Noruega, Letónia, Escócia, República Checa, Bangladesh e Austrália). Foram incluídos pacientes hospitalizados por enfarte agudo do miocárdio e que não tivessem recebido a vacina da gripe nos últimos 12 meses. Os participantes foram aleatorizados para receber vacina ou placebo nas 72h subsequentes à admissão ou angiografia. O recrutamento decorreu durante a época gripal (de Setembro a Fevereiro no hemisfério Norte), tendo sido suspenso antes do objectivo inicial de 4372 pacientes devido à pandemia COVID-19. O marcador (outcome) primário foi composto por morte, enfarte do miocárdio ou trombose do stent. Cada um dos componentes do marcador primário e, adicionalmente, a morte cardiovascular aos 12 meses foram considerados marcadores secundários.

Resultados: Dos 2571 doentes aleatorizados, foram tratados 2532 (1272 no grupo vacina, 1260 no grupo placebo). No início do estudo, os grupos eram similares; a idade média foi de 60 anos, 81% dos participantes eram homens e 54% apresentavam elevação de ST. De referir, no entanto, a existência de mais pacientes com doença de 2 vasos no grupo que recebeu a vacina (25.2% vs. 21.7%). O marcador primário foi menos frequente no grupo que recebeu a vacina (5.0% vs. 7.2%; hazard ratio [HR] 0.72; IC (intervalo de confiança) 95%: 0.52 – 0.99; número necessário para tratar [NNT] = 45), ficando esta diferença a dever-se maioritariamente à menor frequência no grupo vacinado de mortalidade por todas as causas (2.9% vs 4.9%; NNT = 50) e mortalidade cardiovascular (2.7% vs 4.5%; NNT = 56). Não se registaram diferenças estatisticamente significativas em relação ao enfarte recorrente e à trombose do stent. Os eventos adversos graves foram raros e semelhantes em ambos os grupos; as reacções locais foram mais comuns no grupo da vacina. Importa mencionar que aproximadamente 1 em cada 7 pacientes, em ambos os grupos, reportou ter procurado uma vacina da gripe fora do ensaio.

Comentário: Este estudo encontrou uma redução estatística significativa na mortalidade para os pacientes que receberam a vacina da gripe precocemente após terem um enfarte do miocárdio. A vacinação em Portugal é habitualmente assegurada em ambulatório pelo que a vacinação precoce (nas 72 horas após angiografia/admissão) coloca desafios logísticos. Dada a limitação recorrente no número de vacinas disponíveis coloca-se também a questão se esta indicação deve ser priorizada face a outros grupos.

Artigo original: Circulation

Por Carolina Cordovil, USF Novo Mirante

 

 

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