Vicissitudes



Três meses de uma nova realidade. Três meses em readaptação. Três meses de coisas novas. Três meses de momentos bons e maus. Onze meses de três realidades profissionais distintas. É assim que decorre a situação laboral de um recém-especialista de MGF no SNS. E tanta coisa que podia ser diferente. Tanta coisa que mudava. Mas não é fácil. É um vai e vem de opiniões, de vícios e resistências. Cada um tem a sua razão e vivemos numa crise de valores. As pessoas aprendem a ter uma menor tolerância à frustração, fruto de uma sociedade consumista e materialista. As dificuldades e os problemas que surgem são transferidos para outros. E talvez sempre tenha sido assim. Mas desse tempo não tenho eu memória, pois sou um recém-especialista. “Tão novinho” como alguns utentes arriscam dizer no primeiro contacto.

Talvez, eu seja rigoroso demais. Ou talvez, não goste de atalhos. Ou talvez, seja da personalidade. Mas uma coisa que mexe comigo é a falta de assertividade. E talvez, esta surja por falha do sistema. E o sistema de saúde como o conheço tem falhas em todos os seus níveis (e mesmo assim é muito bom). A culpa é de todos, uns mais do que outros.

As pessoas devem saber que a nível administrativo e de gestão existem diferentes tipos de consultas. Uma consulta programada com o médico de família não se reveste das mesmas circunstâncias que uma consulta aberta. Uma consulta aberta com o médico de família não se reveste das mesmas circunstâncias que uma consulta aberta complementar. Quando me refiro a pessoas, não falo só de utentes, mas também de todos os profissionais de saúde, e também daqueles com competências de administração dos Serviços. Todos devem falar a mesma linguagem para que não surjam equívocos: “Mas o médico X faz assim” e “Na Unidade Y funciona assim” e “Vou reclamar”.

Num jogo de “encontre os erros”, seria difícil encontrar as falhas em muitos dos episódios com os quais já fui confrontado. E porquê? Porque continuam a haver resistências à mudança e ao trabalho em equipa. Muitos colegas (médicos, enfermeiros, secretários clínicos, técnicos operacionais) não querem mudar e preferem trabalhar como sempre trabalharam e com orgulho defendem que sabem bem o que fazem. Este pensamento egoísta apenas perpetua vícios e aumenta o descontentamento e desmotivação. De todos.

E assim continua o dia-a-dia de um recém-especialista, com dias bons e dias maus, momentos bons e momentos maus. E para vocês que estão a ler e a pensar “é mesmo novinho”, eu respondo com um desafio: voltem a refletir sobre os vossos comportamentos e atitudes, voltem a preocupar-se com a crise de valores que também vos contaminou. 

Philippe Botas

MaisOpinião - Philippe Botas
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