Vitamina D não reduz o risco de cancro nem de doenças cardiovasculares




Pergunta clínica: A suplementação com vitamina D reduz o risco de cancro ou de doenças cardiovasculares?

Enquadramento: A vitamina D assume um papel primordial no metabolismo do cálcio, sendo classicamente prescrita para prevenção e tratamento de distúrbios ósseos. A suplementação com vitamina D tem sido referida como eventual indicação para diminuição do risco de cancro e de doenças cardiovasculares mas a evidência científica disponível é limitada.

População: homens com ≥ 50 anos e mulheres com ≥ 55 anos de idade, sem diagnóstico de doença cardiovascular ou cancro
Intervenção: suplementação com vitamina D 3 (2000 UI/dia) e ácidos gordos ómega-3 (1 g/dia)
Comparação: vitamina D + ómega-3 vs vitamina D3 + placebo vs ómega-3 + placebo vs placebo
Outcomes: cancro invasivo e evento cardiovascular major

Desenho do estudo:  Estudo randomizado e controlado. Foram incluídos homens com idade igual ou superior a 50 anos e mulheres com idade igual ou superior a 55 anos sem diagnóstico de doença CV ou cancro. Foram excluídos indivíduos com cirrose, insuficiência renal ou com antecedentes de hipercalcemia. Os participantes foram aleatoriamente distribuídos por quatro grupos: o primeiro realizava suplementação com 2000 UI/dia de vitamina D3 + 1 g/dia de ómega-3 em suplementos de óleo de peixe; o segundo grupo com vitamina D3 + placebo; outro grupo com suplemento de ómega-3 + placebo; e, por fim, um grupo com dois placebos. O ensaio decorreu entre novembro de 2011 e dezembro de 2017.

A amostra incluiu 25 871 participantes com idade média de 67.1 anos. Destes, 50.6% eram do sexo feminino e 20.2% dos participantes eram afroamericanos  Definiram-se como outcomes primários o diagnóstico de cancro invasivo e a presença de eventos cardiovasculares major (um marcacador composto de enfarte agudo miocárdio, acidente vascular cerebral ou morte por doença cardiovascular). Os outcomes secundários incluíram neoplasias especificas, taxa de mortalidade por cancro e eventos cardiovasculares adicionais.

Resultados: Durante o período médio de 5.3 anos de acompanhamento foram diagnosticadas doenças neoplásicas em 1 617 participantes: 793 no grupo vitamina D e 824 no grupo placebo (hazard ratio de 0.96; intervalo de confiança a 95 %). Não se verificaram diferenças significativas entre os dois grupos relativamente à incidência de cancro da mama, da próstata e colorrectal. 341 doentes morreram de cancro: 154 no grupo da vitamina D e 187 no grupo placebo. Não se verificaram diferenças significativas entre os dois grupos na mortalidade por cancro. Verificaram-se eventos cardiovasculares major em 805 indivíduos: 396 no grupo vitamina D e 409 no grupo placebo (hazard ratio de 0.97; intervalo de confiança 95%, 0.85 a 1.12; P = 0.69). Não se verificaram diferenças significativas entre os dois grupos relativamente à incidência cumulativa de eventos cardiovasculares major. A suplementação com vitamina D não teve efeito relativamente a outros eventos cardiovasculares. Registaram-se 978 mortes por qualquer causa sendo o número semelhante entre o grupo da vitamina D e placebo (485 e 493 mortes, respectivamente).

Conclusão: A suplementação com vitamina D3 (na dose de 2000 UI/dia), em prevenção primária, não resultou numa incidência significativamente menor de cancro invasivo ou eventos cardiovasculares comparativamente ao placebo.

Comentário: Este ensaio clínico tentou esclarecer algumas questões já colocadas em estudos anteriores. Foram utilizadas doses elevadas de vitamina D relativamente a outros ensaios clínicos e foi incluída uma população com elevada diversidade racial, nomeadamente uma percentagem significativa de afroamericanos, para os quais a síntese de vitamina D é menor. A investigação apresenta algumas limitações: o tempo de seguimento de 5,3 anos e foi testada apenas uma dose de vitamina D.

Artigo original: N Engl J Med

Por Teresa Silva, USF Gualtar




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