
Porque optou ir trabalhar para Londres?
Na verdade, no início, a minha única convicção era a de querer continuar a fazer investigação. Ao longo do meu internato, trabalhei de perto com várias pessoas muito inspiradoras e algumas das quais compatibilizavam atividade clínica e investigação.
Graças a elas, fui-me apercebendo que a nossa prática clínica é em si uma fonte inesgotável de perguntas e, acima de tudo, fui descobrindo o quão gratificante era para mim tentar trabalhar nas suas respostas.
Nos últimos anos trabalhei sempre na área cardiovascular, porque me intrigava (e continua a intrigar) como uma área com tanto impacto e morbi-mortalidade, continua a ter mecanismos dos quais conhecemos tão pouco, e por isso esse foi o critério inicial quando selecionei os departamentos a visitar.
No Imperial College, estavam reunidas as duas características que me interessavam: um projeto interessante e com uma componente clínica importante (MetaCardis). As garantias de financiamento foram também algo que pesou na decisão, porque permite-me focar toda a energia no projeto em si (a procura de fundos para investigação é normalmente um processo que consome demasiado tempo e energia). Por fim, permite-me manter uma ligação com a formação pré-graduada, que é uma componente da qual sempre gostei.
Há quanto tempo está em Londres e pensa ficar por quanto tempo?
Estou no Imperial College há quase um ano, e ficarei em principio até Janeiro de 2017.
Sir Alexander Fleming Building, Imperial College London
Quais os aspetos mais positivos desta sua experiência?
Profissionalmente, é para mim muito gratificante sentir que tenho boas condições para desenvolver o meu trabalho. Falo das questões relacionadas com o projeto (financiamento, organização, planeamento), mas também de pequenos detalhes relacionados com o conforto e a rapidez dos serviços de suporte no local de trabalho, e que me permitem usar o tempo de uma forma mais eficaz. Gosto do facto das pessoas serem abertas às críticas, o que faz com que o feedback seja muito transparente e que se consiga premiar de acordo com os resultados.
Gosto de estar num ambiente multicultural, e com pessoas com formações diversas (médicos, biólogos, bioquímicos, matemáticos, físicos), e cujas perspetivas externas me fazem questionar as minhas falsas-certezas médicas, e descobrir o quanto delas é empírico ou (apenas não-tão-científico assim).
Pessoalmente, gosto de viver numa cidade que é uma descoberta constante, cheia de bairros encantadores invisíveis aos turistas – e na qual se pode ter uma qualidade de vida surpreendentemente boa.
E negativos?
A fase inicial é sempre complicada, principalmente aprender novas funções, diferentes formas de trabalhar e de lidar com as pessoas, um novo contexto cultural. Diria que o mais difícil inicialmente é o afastamento da família e amigos, de tudo o que nos é fácil e confortável.
Mas, à medida que o tempo passa, aprendemos a gerir melhor a distância (as deslocações são rápidas e não particularmente caras, e as novas tecnologias ajudam muito!), e começamos a reconhecer o quanto do novo país começa a ser a nossa casa também.
Da realidade que está a vivenciar em Londres o que gostaria de ver replicado em Portugal?
Na minha opinião, é fundamental aproximar a investigação e a prática clinica, uma vez que são atividades naturalmente sinérgicas. A clínica alimenta as perguntas de investigação através dos seus desafios diários, e a investigação modula e aperfeiçoa a clínica com as suas respostas. Por isso, penso que há um real beneficio em compatibilizar ambas as atividades.
No Reino Unido, há uma opção de carreira médica chamada “Academic GP”. Tipicamente o “Academic GP” dedica parte do seu tempo a actividades clinicas num centro de saúde, e o restante a actividades de investigação e letivas numa faculdade médica. Isto permite aos Médicos de Família manterem um contacto próximo com as necessidades da MGF (prioridades de investigação, patient-centered outcomes), proporcionando-lhes por outro lado carga horaria e suporte institucional para desenvolver o seu trabalho como investigadores. Este modelo existe, de resto, noutros paises (ex.: Chef de Clinique, em Franca), e é, sem dúvida, algo que gostaria de ver replicado em Portugal.
