Pergunta clínica: A partir de que valores de pressão arterial sistólica se deve iniciar tratamento de forma a diminuir o risco de morte e os eventos cardiovasculares?
Enquadramento: Apesar de se reconhecer que a hipertensão arterial é um importante fator de risco para a mortalidade e doença cardiovascular, o valor de pressão arterial a ser atingido com tratamento farmacológico ainda é alvo de debate, assim como o valor a partir do qual se deve iniciar tratamento.
Desenho do estudo: Revisão sistemática e meta-análise. Incluídas revisões sistemáticas anteriormente publicadas, identificadas a partir da PubMed, Cochrane Database of Systematic Reviews e Database of Abstracts of Review of Effect, bem como ensaios clínicos aleatorizados e controlados (RCTs) publicados após 1 de novembro de 2015 (pesquisa em fevereiro de 2017). RCTs considerados tinham seguimento mínimo de 1000 pacientes-ano, comparando fármacos hipotensores vs placebo ou objetivos de PA diferentes. Os seguintes outcomes foram avaliados: mortalidade para todas as causas, mortalidade cardiovascular, eventos cardiovasculares major, doença coronária, AVC, insuficiência cardíaca e doença renal terminal. Ensaios foram agrupados em prevenção primária (se menos de 50% dos pacientes avaliados possuíam doença cardiovascular estabelecida ou doença aterosclerótica documentada) ou prevenção secundária (se mais de 50% tinha doença cardiovascular prévia).
Resultados: Incluídos 74 ensaios, com um total de 306.273 pacientes (60.1% sexo masculino, idade média 63.6 anos). Em prevenção primária (51 ensaios), o valor tensional de base influencia a associação entre o tratamento hipotensor e os eventos cardiovasculares major. Se PAS≥160 mmHg, o tratamento hipotensor associou-se a redução do risco de mortalidade global (RR=0.93, 95% IC, 0.87-1.00) e de eventos cardiovasculares major (RR=0.78, 95% IC, 0.70-0.87). Se 140≤PAS≤159 mmHg, o tratamento associou-se a redução do risco de mortalidade global (RR=0.87, 95% IC, 0.75-1.00), mas a associação com eventos cardiovasculares major foi menos pronunciada (RR=0.88, 95% IC, 0.90-1.04); 3) Se PAS<140 mmHg, o tratamento hipotensor não se associou a redução de risco de mortalidade global ou por eventos cardiovasculares major. Em prevenção secundária, e considerando um valor base tensional de 138 mmHg, o tratamento hipotensor associou-se a redução de risco para eventos cardiovasculares major (RR=0.90, 95% IC, 0.84-0.97), não se registando diferenças significativas na sobrevivência.
Comentário: A salientar algumas limitações existentes, nomeadamente, viés ecológico, inclusão dicotómica nos níveis de prevenção de forma grosseira, inclusão de estudos patrocinados pela indústria cujos outcomes são mais favoráveis, falta de representação das mulheres em estudos de prevenção terciária (que os autores consideram como prevenção “secundária”). Apesar do acima exposto, a demonstração de benefício vem reforçar a importância da introdução de tratamento hipotensor se PAS≥140 mmHg. Com base na evidência científica que este artigo reúne, e reconhecendo o papel central dos cuidados de saúde primários na vigilância e controlo deste fator de risco cardiovascular, os Médicos de Família deverão refletir sobre a sua atuação e adequá-la, procurando exercer medicina baseada na evidência.
Artigo original: JAMA Intern Med
Por Maria João Xará, USF Entre Margens