Pergunta clínica: O reforço da ingestão hídrica em mulheres na pré-menopausa diminui a recorrência de infeções do trato urinário?
População: mulheres adultas em pré-menopausa, saudáveis, assintomáticas, com consumo de líquidos inferior a 1,5 L/dia, com história de pelo menos três episódios de infeção do trato urinário no último ano
Intervenção: reforço de ingestão hídrica (1,5 L de água para além da ingestão de líquidos normal)
Comparação: sem reforço hídrico
Outcome: frequência de recorrência de infeção do trato urinário
Enquadramento: a infeção do trato urinário é uma patologia muito prevalente na mulher, sendo responsável pelo consumo de 15% dos antibióticos, por vezes com necessidade de utilização profilática. As mulheres são frequentemente aconselhadas a fazer um reforço de da ingestão hídrica para prevenir o surgimento de novas infeções do trato urinário, todavia, não existe evidência científica que comprove o seu benefício.
Desenho do estudo: Estudo aleatorizado controlado. Incluiu mulheres adultas em pré-menopausa, saudáveis, assintomáticas, com consumo de líquidos inferior a 1,5 L/dia, com história de pelo menos três episódios de infeção do trato urinário no último ano em que pelo menos um dos episódios de infeção do trato urinário tenha ter sido confirmado com urocultura. Foram excluídas mulheres que tivessem história de pielonefrite no último ano, cistite intersticial, sintomas de vulvovaginite, grávidas ou a planear engravidar nos 12 meses seguintes. As participantes foram divididas em dois grupos: um que faria um reforço de ingestão hídrica (ingestão de mais 1,5 L de água para além da sua ingestão de líquidos habitual) e um que não seria exposto a esta medida. A cada participante eram entregues três garrafas de água de 0,5 L a ser ingerida desde o início de cada refeição, até à refeição seguinte. Foram incluídas 70 participantes em cada grupo. Previamente à aleatorização, cada participante preencheu um diário para quantificação dos fluídos ingeridos durante três dias seguidos. Também foi feita colheita de urina de 24 horas para avaliação de volume de urina e osmolalidade. Para se manterem no estudo, os participantes teriam de ter um volume de urina inferior a 1,2L por dia e uma osmolalidade de pelo menos 500mOsm/kg. Durante 12 meses, as participantes foram contactadas mensalmente e questionadas sobre o aparecimento de sintomas, assim como avaliação mensal do diário de ingestão de fluídos e avaliação semestral da urina de 24 horas.
O marcador primário foi a frequência de recorrência de infeção do trato urinário (com a presença de pelo menos um sintoma e urocultura com pelo menos 103 CFU/mL). Os marcadores secundários foram o número de regimes de antibioterapia usados, o tempo decorrido para o primeiro episódio de infeção do trato urinário e entre episódios de infeção do trato urinário, volume e osmolalidade da urina de 24h.
Resultados: a ingestão diária de água aumentou em média 1,12 L no grupo no qual foi feito reforço, com aumento associado do volume urinário (mais 1,3L) e micções e diminuição da osmolalidade. Estes valores mantiveram-se pouco alterados no grupo controlo. O número médio de episódios de infeção do trato urinário foi de 1,7 (IC 95%, 1,5-1,8) no grupo com reforço hídrico e 3,2 (IC 95%, 3,0-3,4) no grupo controlo. A diferença média para o marcador primário foi de 1,5 (IC 95%, 1,2-1,8; P<0,001). Em relação ao número médio de regimes de antibioterapia, foi 1,9 (IC 95%, 1,7-2,2) no grupo com reforço hídrico e de 3,6 (IC 95%, 3,3-4,0) no grupo controlo. O reforço da ingestão hídrica resultou, em média, em duas idas adicionais ao quarto de banho em comparação com o grupo controlo.
Conclusão: O reforço de ingestão hídrica (1,5L de água para além da ingestão de líquidos normal) diminuiu a recorrência de infeção do trato urinário, em mulheres com história prévia de, pelo menos, três episódios por ano.
Comentário: Este estudo observou uma redução de quase 50% dos casos de infeção do trato urinário com o reforço da ingestão hídrica, assim como uma redução do consumo de antibióticos. Sendo uma infeção tão frequente, a existência de medidas comportamentais profiláticas eficazes poderão ser uma mais valia para a redução da morbilidade e terapêuticas associadas à infeção do trato urinário. Contudo, poderão ter ocorrido fatores confundidores nos resultados obtidos, dos quais destacam-se outras medidas comportamentais não avaliadas: aumento do número de micções voluntárias, diminuição dos episódios de retenção urinária voluntária e micção após a atividade sexual.
Artigo original: JAMA Intern Med
Por Mariana Rio, USF PortoCentro