Banco de Jardim



Sentado num decrépito banco de jardim João fixava languidamente o cenário outonal.

Com a precisão que apenas os sentidos permitem e que a realidade virtual oculta ele captava, com espanto e como se fosse a primeira vez, o aroma das castanhas assadas, o tom amarelo do tapete de folhas, o frio colado à pele.

Acendeu um cigarro e sorriu perante a ironia cósmica. Após um ano sem tocar no tabaco eis que se abateu sobre ele a frase lapidar “já não há nada a fazer”.

Sentiu um leve toque na perna: uma bola colorida tinha rolado na sua direção. Devolveu o brinquedo à criança de caracóis ruivos enquanto via, com inconfessável inveja, aquela família reunida.

Poderia ter tido um cliché assim? Casamento? Filhos?

Perante a inevitável e galopante rebeldia das suas células estas e outras questões pareciam povoar a mente de uma personagem à qual ele era alheio. Um João que era outro e que se interrogava noutro tempo e lugar paralelo.

Este João, que pensava tudo isto a cada baforada, gostaria de afirmar que fora íntegro e inteiro até ao fim.

Mas a verdade é que estava ali, naquele melancólico banco de jardim, embalado por recordações e suposições.

Por Luís Monteiro, Médico de Família, Co-Editor MGFamiliar

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