Bruno Moreno: Quatro anos de uma despedida sem adeus…

 

A 1 de Janeiro de 2010 começava mais um desafio. A escolha, difícil ao início, estava feita, a vontade de ser Médico de Família era muita, as dúvidas eram tantas ou mais que tudo o resto. Os anos passaram, os estágios sucederam-se, as experiências aconteceram (muito boas, menos boas, “assim-assim”) sendo o saldo claramente positivo. Foram 4 anos de um turbilhão de experiências, saberes, aprendizagem, treino e de mais uma etapa concluída desta formação médica que nunca acaba.

Na passagem pela Unidade de Desintoxicação do Sobral Cid, testemunhei um Professor, toxicodependente, que do alto dos seus 54 anos diferenciados, sendo 35 deles passados noutra realidade, dizia: “Dr., a heroína é muito ciumenta”. Curioso, perguntei porquê, ao que ele respondeu: “A heroína é mais ciumenta do que qualquer mulher. Exige que estejamos ali só para ela. Dá-nos pouco tempo para viver a nossa vida. Consome-nos o pensamento, o tempo, a vida, mas posso dizer que também me deu mais prazer que qualquer mulher.” Apesar de a analogia ser muito forte e dotada de algum exagero, hoje posso dizer que a MGF é também muito “ciumenta”. Consome tempo, consome a nossa preocupação (quantas vezes pensamos durante a viagem para casa no final de um dia de trabalho num caso clínico, numa terapêutica instituída, numa família que não tem que comer), toma conta da nossa vida, mas é provavelmente a mais gratificante das Especialidades. Todos os dias sentimos o obrigado que é dito quando ajudamos alguém, desfrutamos da palmada nas costas do Sr. João enquanto deseja Boas Festas, sorrimos quando despimos o Martim para lhe fazer o exame físico, acompanhamos a Marta desde a escola primária à entrada na Universidade, recebemos o António na consulta e perguntamos se a Maria está melhor e se o seu filho ainda joga à bola, se a filha já entrou para o ballet, e também sentimos a perda do doente que desaparece quando a Medicina não é suficiente para o manter entre nós. É isto a MGF! É o Utente, é o doente, é a família, é a aldeia, a vila, a cidade, é a interacção entre tudo isto e a sua influência na doença, é a prevenção…
Uma etapa está concluída, mas trata-se apenas da etapa inicial que será posta à prova diariamente quando o Interno, já Especialista, iniciar o seu caminho numa “bicicleta onde foram retiradas as rodinhas”. A aprendizagem será contínua e nunca estará concluída.

Quatro anos de uma despedida sem adeus… Porquê?

Porque na minha opinião, o “adeus” é uma palavra muito forte que remete para o “corte”, para a perda do contacto, da confiança, da amizade de uma equipa fantástica que me apoiou, compreendeu, ajudou, e da qual não quero perder o contacto. Provavelmente a expressão ideal será: Quatro anos de uma despedida… Voltaremos a ver-nos no jantar de Natal, na descida da Serra, na semana do aniversário…

Bruno Moreno, recém-especialista em MGF

 

 

 

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