Pergunta clínica: Qual a prevalência da obesidade e quais as principais características da população obesa adulta seguida pelos médicos de família da região Norte de Portugal?
Desenho do estudo: estudo longitudinal retrospetivo com dados do mundo real. Os dados foram obtidos através dos registos dos médicos de família da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte no processo clínico eletrónico dos utentes. Foi construída uma base de dados com as principais características dos utentes adultos codificados com o código T82, que corresponde ao diagnóstico de obesidade na International Classification of Primary Care 2 (ICPC-2); foram extraídos dados biodemográficos, parâmetros antropométricos e analíticos, bem como hábitos, principais comorbilidades e consumo de recursos de saúde. Os principais objectivos do estudo foram determinar a prevalência da obesidade e caracterizar a população obesa adulta do Norte de Portugal. A base de dados analisada incluiu 266,872 pacientes, reportando-se a Dezembro de 2019.
Resultados: A prevalência da obesidade na população adulta da ARS Norte foi de 10,2%, sendo superior na faixa etária dos 65 aos 74 anos (16,1%). Dos utentes com obesidade, 64,8% eram mulheres. A obesidade classe I (IMC entre 30 e 34,9) correspondeu a 70% dos casos. As três comorbilidades mais prevalentes em pacientes com obesidade foram, de acordo com as codificações ICPC-2, a hipertensão arterial sem complicações (K86), a Diabetes não insulino-dependente (T90) e a hipertensão arterial com complicações (K87). A neoplasia da mama (X76) figurou entre as dez comorbilidades mais frequentes na população com obesidade estudada. Os resultados demonstraram ainda que os utentes obesos utilizam mais recursos de saúde, com duas vezes mais consultas efetivadas, o dobro dos gastos com medicação, cerca de 1,8 vezes mais gastos em meios complementares de diagnóstico e terapêutica e ainda o dobro dos dias de doença e de absentismo laboral.
Comentário: O estudo apresentado vem acrescentar informação importante sobre a população obesa, as suas principais características e comorbilidades. Destaca-se por ser o primeiro estudo português a utilizar dados do mundo real extraídos dos processos clínicos eletrónicos para estudar uma população com obesidade, comparando ainda indíviduos com e sem obesidade. Contudo, não é possível generalizar os resultados para outras populações e contextos. A pensar na prática clínica, é de notar a necessidade de avaliar e atualizar frequentemente os dados antropométricos dos utentes, permitindo intervenções atempadas. Os resultados deste estudo poderão contribuir para o desenvolvimento de consultas programadas e diferenciadas, com objetivos bem definidos para uma otimização da assistência prestada aos utentes com obesidade. Adicionalmente, o presente estudo realça a importância dos registos em saúde com codificações cuidadas e rigorosas, nomeadamente ao nível dos cuidados de saúde primários, como importante fonte de dados para investigação científica com impacto e ganhos reais na prática clínica.
Artigo original: BMC Primary Care
Por Mariana Ferreira Rodrigues, UCSP da Sé, Bragança